Falta empenho do governo para identificar ossadas de Perus, diz ex-preso político


30/08/2000 19:30

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A Comissão de Direitos Humanos da Assembléia, presidida pelo deputado Renato Simões (PT), debateu, em reunião extraordinária nesta quarta-feira, 30/8, o destino das ossadas de presos políticos após 10 anos de abertura da vala comum de Perus.

Ivan Seixas, membro da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, disse que a vala do cemitério Dom Bosco, em Perus, foi criada entre 1975 e 1976. "Na ocasião tomamos conhecimento de que havia uma vala sendo criada e não podíamos fazer nada, pois estávamos sob o regime da ditadura. Em 1990, época dos governos de Orestes Quércia e Luiza Erundina, foi instaurado o processo de abertura da vala no cemitério Dom Bosco, em Perus." Segundo Seixas, a descoberta das ossadas foi feita pelo jornalista Caco Barcelos durante pesquisas para o seu livro Rota 66. "Ao fazer pesquisa no Instituto Médico Legal para o seu livro, Barcelos descobriu que os atestados de materiais de exames eram exatamente iguais aos que tinham a letra "p", marcada em fichários das arcadas dentárias dos desaparecidos. Foram descobertas 1.560 ossadas. Com o tempo, as ossadas de crianças que sofreram tortura da polícia ou foram vítimas de epidemias na época se deterioraram. Com isso, sobraram 1.049 ossadas, das quais seis foram identificadas."

Seixas lembrou que as ossadas foram levadas à Unicamp, "onde o legista Badan Palhares atrapalhou as análises, misturando os ossos em sacos plásticos dispostos de qualquer forma em uma sala, sob móveis". Seixas salientou que Badan não tinha tecnologia para checar DNA de ossos e disse que, desde então, já solicitou ao governador Covas e ao secretário Marco Vinício Petrelluzzi a continuidade do processo de identificação das ossadas. "Entretanto, falta vontade política da parte deles. Não sei o que é pior, saber da vala e nada poder fazer devido à repressão política ou finalmente vê-la aberta e nada ser feito por um governo que não é confiável."

O representante dos familiares alertou que há outro fato que depõe contra a confiabilidade na democracia do governo, que é o de ex-torturadores ocuparem cargos de confiança na atual gestão. "Alcides Singilo, que fraudava laudos de óbito de presos políticos, é delegado seccional de Jundiaí e Dirceu Gravina, que usa na Internet o mesmo codinome, e usava no Doi-Codi, Jesus, é delegado em Indiana."

Amelinha Teles, também da Comissão de Familiares, esclareceu que os parentes querem a transferência das ossadas com o acompanhamento de um perito internacional (a ser pago pelos familiares), precedida de inventário sobre os documentos enviados pelas famílias para ajudar no reconhecimento. "Este Legislativo é nossa última esperança diante da afirmação de Badan de que não iríamos conseguir nada, pois ele tinha feito um trabalho bem feito", desabafou.

O assessor da Secretaria de Segurança Pública, Fábio Bonini, explicou que o secretário-adjunto Mário Papaterra Limongi não pôde comparecer por estar acompanhando o governador no Interior e informou que, em momento nenhum, a Secretaria colocou obstáculo à transferência. "O IML está aberto para receber as ossadas e estamos tentando um convênio com o Instituto Oscar Freire, da USP, para proceder à transferência."

À questão levantada pela deputada Rosmary Correa (PMDB) sobre a demora no processo, uma vez que a Secretaria não impõe óbice, Bonini afirmou que há um problema jurídico, porque não foi definido quem assina o convênio.

De acordo com Seixas, desde a abertura do inquérito, em 1990, a Secretaria da Segurança Pública se tornou responsável pelo caso. "A Unicamp foi apenas um órgão assessor de pesquisa." Cicero de Freitas (PFL) perguntou a Bonini se Badan impedia a ação da Secretaria e obteve resposta negativa. "Não há impedimento, a Secretaria tem vontade de resolver o caso", disse Bonini e obteve respaldo do deputado Claury Alves da Silva (PTB).

O professor da Unicamp, Roberto Romano, esclareceu que seu grupo assumiu o comando da universidade há 3 anos e desde então vem acionando a USP e o governo do Estado para solucionar o impasse. "Recebemos na Unicamp o secretário Papaterra e o perito Daniel Munhoz, que me comunicou verbalmente que faria o reconhecimento das ossadas. Porém, ele nunca mais fez contato. Assim, a universidade não pode ser punida, sobretudo porque já está penalizando, como devia, Badan Palhares.

"O Estado cometeu os crimes contra os presos políticos e ele tem responsabilidade de repará-los. Uma forma para isso é identificar as ossadas", com essa afirmativa de Amelinha Teles o debate foi encerrado.

alesp