O tempo e a regra

OPINIÃO - Roberto Engler*
05/06/2003 19:32

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A democracia não é a ausência de regras, mas, ao contrário, é justamente a supremacia da regra. Por ser um governo de leis, não de homens, ela na pode existir sem regras claras, objetivas, racionais que definam com precisão o papel de cada ator político e social e apontem com clareza os limites entre o lícito e o ilícito, entre o permitido e o proibido.

A tirania pode facilmente dispensar as regras, ser informal, basear-se em linhas de conduta que se alterem conforme a vontade, afinal nela existe, de fato, apenas a vontade de um único homem, que pode fazer o que quiser com poder. Qualquer regra que exista nesta situação de tirania tem apenas efeito decorativo, visa apenas mascarar o caráter autoritário da sua essência.

Já na Democracia as regras não tem apenas o caráter simbólico de defender os valores universais que ela apresenta, mas sim tem a finalidade principal de permitir que os debates e decisões transcorram da forma mais adequada, respeitando o direito de todos e permitindo que, ao final, a razão e o interesse público triunfe.

Mesmo na radical democracia grega existia uma clara distinção entre as leis que podiam ser feitas e alteradas com relativa facilidade e os decretos, leis cuja origem em geral remontava às origens da democracia e que em geral versavam sobre os mecanismos d funcionamento da cidade e sobre os princípios fundamentais, que só podiam ser alteradas depois de examinadas por um corpo de juristas de renomada distinção e conhecimento e pro ampla maioria dos votos da assembléia.

Assim o Regimento Interno de um parlamento não é apenas mais uma resolução interna de cada casa, não é somente um regulamento, mas é o esteio da democracia e como tal diz respeito não só ao parlamento em si, mas a toda a sociedade. Isto não significa que não possa e não deva ser mudado, mas sim que ao alterá-lo se leve em consideração não os interesses imediatos, as configurações políticas de ocasião, mas sim que a preocupação central deve estar fixada nos conceitos que norteiam este regimento.

Qualquer parlamento está sujeito às mudanças políticas, sociais, econômicas e até tecnológicas da sociedade sobre e na qual legisla. Não fosse assim e breve se tornaria uma ilha alheia à realidade e toda a sua produção legislativa careceria de substância e realidade. Em grande parte o naufrágio das democracias gregas se deveu à falta de agilidade e espírito faccioso dos debates sobre as decisões que deviam ser tomadas para enfrentar os adversários.

Evidente que esta inércia das assembléias gregas eram elas próprias reflexos da mudança nas condições sociais e econômicas das cidades gregas, mas o apego a regras que favoreciam esta inércia e permitiam que os demagogos tomassem de assalto as discussões das assembléias teve grande impacto nestas medidas. Pouco adiantou o maior orador da época, Demóstenes usar de toda a sua eloqüência para apontar os riscos d desastre iminente, as regras sufocavam a voz da razão.

Se uma democracia toa sólida como a grega foi capaz de ruir em um mundo que se movimentava em uma velocidade muito mais lenta que a do atual, como podemos garantir a sobrevivência da nossa, ainda em fase de consolidação em meio às turbulentas mudanças que agitam o mundo?

Certamente uma das primeiras condições necessárias a esta adequação é justamente a velocidade. O Regimento Interno da Assembléia Legislativa herda de outras épocas uma noção de tempo que já não é mais o da atualidade. Enquanto a realidade avança na velocidade da Internet e das telecomunicações digitais o Regimento ainda se arrasta em um mundo de estradas ruins, de comunicações complicadas, de pilhas de arquivos em papel.

As diversas reduções de prazo propostas na alteração do Regimento Interno que estão sendo discutidas na Assembléia não tem o objetivo de evitar a discussão, de limitar o espaço ao debate, mas apenas de adequar o tempo do regimento a este tempo real. Há, na verdade, até um ganho de tempo em relação ao que representava de fato os tempos e prazos propostos na época de criação do Regimento porque é possível nos novos prazos propostos fazer muito mais, pesquisar muito mais cada assunto, inventariar muito mais informações concernentes a cada tema, debater muito mais com a sociedade civil organizada, enfim, intensificar muito mais o debate nos novos prazos do que era possível na época de criação do regimento.

A questão não é, portanto, a de reduzir os tempos disponíveis para a discussão, mas apenas de sincronizar o correr do tempo da Assembléia com o tempo do mundo real e, neste sentido, não se pretende reduzir prazos, mas até aumentar o significado dos prazos estabelecidos originalmente para estas discussões.

*Roberto Engler é deputado estadual(PSDB) e foi relator da Revisão do Regimento Interno da Assembléia.

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