Estado partido

OPINIÃO - Pedro Tobias*
19/11/2003 17:29

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Como no poema Novo Tempo, de Carlos Drummond de Andrade, vivemos em um tempo de partido e de homens partidos - ou homens-partido - no qual Estado, partido, governo, personalidades confundem-se e misturam-se. Esta fusão faz duas vítimas: a sociedade e a democracia.

Nem sempre é possível definir com precisão a linha que separa aqueles que defendem a democracia daqueles que são contra ela. Com a exceção de poucos radicais nos extremos do espectro político ninguém admite ser contra a democracia, mas isto não equivale a defendê-la. É preciso avaliar quem integra o campo democrático e quem tem ao menos nuances totalitárias pelas ações e pelas decisões.

Uma destas marcas que permitem esta identificação é a separação entre partido e governo. Em todos os regimes democráticos existe um esforço para marcar esta divisão e em todos os regimes totalitários Estado e partido dominante confundem-se. Os regimes totalitários tentam criar o homem-partido definindo como ele deve pensar, agir, do que deve gostar, o que deve fazer mesmo em seus momentos de lazer. Também cria o Estado-partido porque para eles a função do Estado não é garantir o bem estar dos seus cidadãos mas, antes de tudo, garantir a preservação do partido no Poder.

Neste caminho o governo federal tem dado grandes mostras de suas tendências totalitárias. O Partido tomou de assalto o Estado colocando militantes em todos os cargos que tinha à mão, inclusive em cargos técnicos que estariam reservados a funcionários de carreira. Isto revelou logo em um primeiro momento que o PT tinha a concepção de que a máquina governamental deveria atender à necessidade primeira de sustentar e submeter-se aos objetivos partidários.

Também foram criados diversos cargos, inclusive ministérios, destinados principalmente a abrigar lideranças partidárias derrotadas nas eleições. Em outras palavras, o partido-governo decidiu revogar a decisão das urnas que afastou, ao menos temporariamente, estes petistas da vida pública. A ação não é de pouca importância, afinal implica em entregar o poder a grupos que em seus estados são minoritários e em mais de um caso ficou apontado o revanchismo dos escolhidos pelo governo contra os escolhidos pelo povo.

Mas o fato mais grave envolvendo esta confusão entre partido e governo ocorreu nestes dias quando ficou transparente o uso político de verbas sociais. O Ministério da Assistência Social, da polêmica ministra Benedita da Silva, distribuiu R$ 5,62 milhões para a implementação de 52 programas Casa da Família, cada um atendendo a 300 famílias. Deste total a imensa maioria, 42 em 52 programas, destinam-se a municípios governados pelo PT. Em termos de valores R$ 4,54 milhões - quase 81% - vão para prefeituras petistas e o restante para os outros partidos.

A relação de municípios por si só trai os critérios políticos. Entre as beneficiadas estão cidades que o PT gosta de mostrar em programas eleitorais como exemplos de qualidade de vida e desenvolvimento urbano, entre as cidades omitidas estão diversas que apresentam necessidade de investimentos sociais. Na Grande São Paulo, por exemplo, não estão presentes os municípios mais pobres, apenas municípios, sem qualquer exceção, governados pelo PT.

Assustadoramente o Ministério da Assistência Social tenta explicar a escolha dizendo que utilizou critérios do Fome Zero para definir os beneficiados. Com isto fica a suspeita que quando, e se, o Fome Zero chegar a São Paulo irá repetir o privilégio aos municípios petistas.

Também o Ministério da Justiça agiu da mesma forma ao liberar as verbas para o Susp (Sistema Único de Segurança Pública), privilegiando apenas prefeituras petistas. Embora o único presídio de verdadeira segurança máxima se encontre em São Paulo e o próprio Ministério precise utilizá-lo para deter "personalidades" do mundo do crime, como Fernandinho Beira-mar, o Estado de São Paulo não recebeu um centavo destas verbas para a segurança.

É importante notar o contexto em que estas verbas chegam. O Governo federal tem aumentado a carga tributária elevando apenas tributos que ficam em sua totalidade com o governo federal, como o Cofins, a Cide e a CSLL; enquanto isso, em razão da recessão, a arrecadação dos impostos indiretos, divididos com estados e municípios, como o IR, o IPI e o ICMS, tem caído, deixando muitas prefeituras em situação de penúria. Se houver um movimento intencional para privar as prefeituras de recursos, mas dando vantagem às prefeituras e governos petistas, através de repasse de verbas não compulsórias - o que pode ser feito até abril do próximo ano - terá havido uma manipulação de todo o mecanismo do Estado para beneficiar o PT.

O beneficiário deste aparelhamento do Estado em favor de um partido é evidentemente o PT. Mas o Estado-Partido que resulta deste tipo de operação é também um Estado partido porque as vítimas não são apenas os prefeitos e governadores de outros partidos, mas os cidadãos, privados de seus direitos por conta de um projeto político partidário.

*Pedro Tobias é deputado estadual, membro das Comissões de Educação, de Saúde e Higiene e de Promoção Social da Assembléia Legislativa de São Paulo e vice-presidente do Diretório Estadual do PSDB .

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