Recuo do governo

OPINIÃO - Arnaldo Jardim*
23/04/2004 16:59

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Após meses de indefinição do próprio governo, diante do dilema entre aumentar a intervenção ou preservar a independência das agências reguladoras, foi enviado ao Congresso Nacional um projeto de lei que regulamenta as regras gerais de funcionamento desses órgãos.

O projeto de lei contém contradições que ameaçam tolher a independência e as atribuições dos órgãos reguladores, transferindo-os em alguns casos, de forma desnecessária, ao Poder Executivo.

O projeto apresentado demonstra uma vitória da corrente governista mais sensata, já que no começo do mandato presidencial chegou-se a falar em extinção das agências - temor acirrado quando o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou estar descontente com a "excessiva terceirização" dos serviços públicos.

A nova proposta tranqüiliza, em alguma medida, o investidor, pois sinaliza o caminho do aperfeiçoamento do modelo regulatório. Pautado por esse esclarecimento, num primeiro momento, e depois - espero e trabalharei por isto - calcado nas modificações que deverão ocorrer em sua tramitação legislativa.

Continuo defendendo a autonomia das agências. Sendo assim, me preocupa a confusão de valores jurisdicionais que o projeto apresentado pelo Executivo provoca, como, por exemplo, quando fixa uma prestação de contas de metas estabelecidas para as agências. Essa proposta, a meu ver, pode conflitar com o controle de competência exclusiva do Poder Legislativo e do Tribunal de Contas da União.

Qual o motivo de as agências prestarem contas aos respectivos ministérios? A função do Executivo federal é estabelecer políticas públicas - um avanço alcançado nesse remodelamento do sistema que precisa ser implantado, mas é importante que se preserve a contribuição que as agências podem dar à elaboração de regras para as concessões, amparando-se na sua experiência concreta e cotidiana de fiscalizar e controlar os serviços prestados à população.

Outro ponto controverso é o das ouvidorias. Alertei, desde seu anúncio, que estas não poderiam ser tratadas de forma intervencionista por parte do Executivo federal. Infelizmente, o projeto de lei apresentado consolidou esse viés, uma vez que o ministério relativo ao serviço regulado terá controle sobre o ouvidor e este já deverá se reportar periodicamente aos órgãos ministeriais, e não ao Senado, como deveria ser feito em um Estado de Direito, que respeita a divisão dos Poderes.

O projeto apresentado também gerou discussões acaloradas sobre os contratos de gestão entre ministérios e os órgãos reguladores. Ao meu ver é uma medida útil . Resta o desafio de definir essas condições, de forma transparente e com ampla participação dos agentes envolvidos.

A definição de um mandato de quatro anos para os presidentes e diretores das agências reguladoras, a partir de 2006, pode acabar por influenciar politicamente as ações desses órgãos. Ou seja, a cada novo governo, a administração dos entes reguladores seria mudada, o que poderia comprometer ações de longo prazo e iniciativas bem-sucedidas de determinada gestão. Sou favorável, portanto, à renovação da administração desses órgãos de forma dessincronizada, para que se garantam a alternância e a continuidade ao mesmo tempo.

Acredito que as agências vieram para ficar e refletem uma nova concepção administrativa, pautada pela descentralização do poder do Estado. Devemos aperfeiçoar o papel regulador desses órgãos, deixando que as agências exerçam sua tarefa: regular os serviços de concessão com autonomia e independência.

Ressalto que as agências reguladoras ainda merecem uma série de outras melhorias. Uma delas é a ação cotidiana do Legislativo na análise de seu funcionamento e no acompanhamento de suas autoridades, tarefa para a qual o Parlamento precisa se preparar melhor. Outra questão importante é garantir aos agentes reguladores o poder de polícia, para que se efetivem sanções, no âmbito do Judiciário, contra concessionárias que não atendam ao interesse público. A implantação de varas judiciais especializadas no assunto, tal como o aproveitamento das câmaras arbitrais para resolver litígios, também se faz necessária. É preciso, ainda, criar mecanismos que proporcionem autonomia financeira às reguladoras e possibilitem a fixação dos seus quadros funcionais, tornando-os estáveis e definitivos, para que garantam melhor acompanhamento das inovações tecnológicas.

Por fim, é necessário estimular a expansão e o fortalecimento dos instrumentos já existentes, como os conselhos de usuários públicos, bem como a criação do Fundo Nacional de Interesses Difusos, que auxiliará tais conselhos, além da implantação de uma série de medidas que suscitarão a evolução do sistema regulatório.

Esse conjunto de propostas que trazemos neste instante, em que o projeto será debatido no Congresso, compõe um quadro de questões que, adequadamente refletidas, podem levar à superação das desconfianças, à fixação de um quadro estável, estimulador de investimentos e garantidor de melhor fiscalização e controle dos serviços públicos concedidos.

Precisamos colocar o futuro do País à frente e acima de qualquer projeto de poder, e as agências reguladoras têm grande contribuição a dar nesse sentido.

*Arnaldo Jardim é engenheiro civil, formado pela Poli-USP, e deputado estadual, líder do PPS na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo

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