A sessão plenária de hoje, 8 de março, foi realizada em homenagem ao governador Mário Covas

Íntegra do discurso proferido pelo presidente da Assembléia, deputado Vanderlei Macris:
08/03/2001 19:52

Compartilhar:


"Para certos homens, a palavra morte não tem o sentido de fim. Mário Covas é parte viva de nosso Estado. Ele vai, mas ficam suas idéias e seus ensinamentos.

A mensagem que Mário Covas deixou para todos os políticos é muito simples em sua concepção, mas extremamente difícil em sua implementação. Em outras palavras, é fácil compreender que política deve ser feita com ética, caráter e dignidade, mas é muito difícil manter o nível da política feita por Covas.

Mário Covas sempre atuou sem ultrapassar, um milímetro sequer, os rígidos princípios éticos que ele impunha a si próprio. Durante os momentos críticos de suas campanhas, pressionado por seus partidários a transigir e tomar medidas que teriam melhor impacto eleitoral, Mário Covas costumava repetir: 'eu perco a eleição mas não perco o nariz...'

Covas deu muitos exemplos de que não hesitava em sacrificar a si próprio em nome da dignidade. Abominava o populismo e a mentira. Rechaçava veementemente a demagogia e as espertezas mesquinhas. Em sua história política, chegou a perder disputas por recusar-se a transigir na ética e isso lhe rendeu a fama de teimoso.

Graças a Deus, Mário Covas era realmente um teimoso. Sua teimosia podia até prejudicar seu partido, podia prejudicar sua popularidade, mas nunca prejudicava o povo. Ao contrário, todos nós sabemos quanto bem para o povo brasileiro sua teimosia gerou. Quisera todos os políticos fossem teimosos assim.

Covas foi o exemplo mais notável de tratar a política como meio e não como fim. Isso era tão claro em sua cabeça que ele dizia que pensar assim era o básico da vida pública. Quando recebia propostas de seus partidários costumava perguntar: 'Onde está o interesse público nisso ?' Como governador, sempre focava o interesse público em suas ações. Era avesso à idéia de se gastar dinheiro em propaganda e só cedia quando lhe fosse provado que havia 'interesse público' em divulgar determinada ação de governo.

Mário Covas não fazia jogo de cena, sempre foi autêntico e sincero. Amava o povo e odiava quem o enganava. Ele era o maior advogado dos interesses da população pobre e denunciava, sempre com muito vigor, qualquer tentativa de se aproveitar do público para o privado.

Seu rigor, sua austeridade, sua seriedade exacerbada no trato da coisa pública lhe renderam a fama de mal-humorado. Mas quem teve o privilégio de conviver com Covas sabe que ele era carinhoso e brincalhão. Porém, uma coisa lhe irritava de modo assustador: a indiferença.

Mário Covas odiava a indiferença. Ele alimentava dentro de si um sentimento permanente de indignação pelas injustiças. Covas era um indignado que não suportava a omissão. Gostava do enfrentamento. Admirava a obstinação. Tinha o espírito guerreiro...

Foi muito apropriada a reprodução nos grandes jornais da frase de Brecht: 'Há homens que lutam a vida inteira. Esses são os imprescindíveis.' Mário Covas era de luta. Era a expressão humana da coragem. Ele era imprescindível...

Todas as suas nobres características podem ser resumidas por uma simples palavra: dignidade.

Covas traduz concretamente a dignidade, em todos os matizes e todas as sutilezas que essa noção pode conter.

Com dignidade, Covas entrou para a vida pública, elegendo-se deputado federal; com dignidade combateu os inimigos da liberdade; com dignidade teve cassados seus direitos políticos; com dignidade retornou à Câmara Federal; com dignidade exerceu a Prefeitura de São Paulo; com dignidade sagrou-se o senador da República com maior votação da história pátria; com dignidade foi peça fundamental na primeira eleição presidencial direta pós-64; com dignidade elegeu-se governador de São Paulo; com dignidade foi o primeiro governador da história a reeleger-se pelo voto popular; e devolveu a São Paulo sua dignidade.

Todo político que pretenda compartilhar tal dignidade tem que aprender na cartilha Mário Covas. A cartilha da sinceridade, da honradez, do caráter, da coragem, da transparência, da ética, da perseverança, da escolha do que é certo, do amor pela pátria.

De tudo que poderia ser dito sobre Mário Covas e sobre sua história, que se confunde com a história de nossa democracia, gostaria de destacar mais um aspecto fundamental: o respeito pelo Parlamento.

Tendo vivido intensamente todos os momentos da vida política nacional, Covas sempre enxergou o Legislativo como peça fundamental da democracia e do Estado de direito. 'É o mais democrático dos poderes', costumava dizer.

Foi um dos mais brilhantes parlamentares da história republicana brasileira. Não é necessário reproduzir sua biografia de parlamentar porque todos já a conhecem. No entanto, vale destacar a profunda compreensão que Mário Covas tinha do Parlamento como a Casa de representação popular. Pelo amor que dedicava ao povo, à tolerância e ao diálogo, sempre defendeu com veemência o Poder Legislativo e as prerrogativas dos parlamentares.

Mário Covas, em determinado momento, chegou a oferecer sua própria vida política em holocausto pela defesa do Parlamento. No célebre discurso de 12 de dezembro de 1968, o então líder da oposição ao regime militar não conseguiu ficar calado frente às agressões que seu colega, Márcio Moreira Alves, vinha sofrendo do governo.

Mário Covas, tomado pelo seu espírito guerreiro, inspirado pelo seu permanente sentimento de indignação e imbuído pela aversão à indiferença, subiu à tribuna da Câmara Federal e, de improviso, durante cerca de 30 minutos, proferiu o mais brilhante discurso em defesa do Parlamento que já tive o privilégio de ler.

Peço licença para reproduzi-lo nesse plenário: 'Sou por formação e por índole, o homem que fundamentalmente crê. Desejo morrer do crime da boa-fé, antes que portador do pecado da desconfiança.

Creio na palavra, ainda quando viril ou injusta, porque acredito na força das idéias e no diálogo que é seu livre embate.

Creio na liberdade, este vínculo entre o homem e a eternidade, essa condição indispensável para situar o ser à imagem e semelhança de seu criador.

Da altitude dessa tribuna, da majestade desta Mesa, da altivez deste plenário, às vezes, do gênio do Direito e da deusa da Justiça pode ser ouvido o patético apelo: não permitais que um 'delito impossível' possa transformar-se no funeral da democracia, no aniquilamento de um poder e no cântico lúgubre das liberdades perdidas'.

Enquanto governador, seu respeito ao Parlamento foi traduzido na relação que manteve com esta Assembléia.

Como presidente do Poder Legislativo, tive o privilégio de discutir várias vezes com o chefe do Executivo questões de Estado e mesmo de interesse da Assembléia. Ele sempre me dizia para que eu pensasse bem no que iria pedir em nome da instituição, porque ele poderia dizer não ao pedido pontual de um deputado, mas nunca diria não à Assembléia Legislativa. E de fato nunca disse. Ao contrário, Covas se submetia à Assembléia como instituição.

Durante a atual Mesa diretora, Covas, mesmo doente, fez questão de comparecer muitas vezes à Assembléia para prestigiá-la.

Numa dessas ocasiões, na abertura do Fórum São Paulo - Século XXI, emocionou a todos ao declarar:

'No instante em que a generalização faz com que os bons e os maus se aproximem, a Assembléia Legislativa tomar a iniciativa de um gesto como esse, de uma proposição como essa, me obriga, ainda que ultrapassando os limites dos meus chinelos, lhe parabenizar e lhe dizer que ela cumpre um papel e uma função da qual todo Estado de São Paulo se sente orgulhoso.'

Desde o dia 6 de março, é recorrente em mim sentir-me órfão. Ao mesmo tempo, porém, sinto Mário Covas ao meu lado. Seus valores, seu caráter, suas lições fundiram-se definitivamente à essência do que chamamos de Pátria, mudando-lhe as feições, aprimorando-a, impelindo-a cada vez mais ao objetivo ideal da democracia e da justiça social.

Assim, gostaria de pedir licença a este plenário para lembrar trechos de poema de Carlos Drumond de Andrade, que expressa bem meu sentimento nesse momento de profundo pesar:

'Amar o perdido deixa confundido esse coração.

Nada pode o ouvido contra o sem sentido apelo do não.

As coisas tangíveis ficam insensíveis à palma da mão.

Mas as coisas findas, muito mais que lindas,

Estas ficarão.'

Muito Obrigado Mário Covas."

alesp