Opinião - Escravos do Regimento


20/09/2011 10:14

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Se, em plena São Paulo do século 21, perguntassem a você se concorda com a exploração de trabalhadores em condições de escravidão o que responderia? Tenho certeza de que seria enfático em dizer que não. Ninguém em sã consciência é a favor dessa prática. Porém, esse crime ocorre mais do que se imagina.

No último mês, denúncias revelaram que a grife de roupas Zara fazia uso de trabalho escravo em confecções no interior de são Paulo. Na última semana, mais manufaturas têxteis, dessa vez no centro da capital, foram descobertas. O fato de terem vindo à tona descortina ao menos duas questões.

Primeiro, como médico, sei que quando uma infecção apresenta sintomas é porque já se proliferou. Da mesma forma, quando, sem núcleo específico de investigação, oficinas de trabalho escravo são descobertas, significa que já se alastraram. Depois, é preciso saber que abusos assim nunca ocorrem desacompanhados. São crimes correlatos: com a degradação de trabalhadores, vêm a exploração sexual e o tráfico de pessoas.

Foi diante desse quadro que, no último mês, propus a criação de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar casos de trabalho escravo em São Paulo. Como vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia, enxergo especialmente a violência aguda contra a humanidade envolvida nesse crime. Os parlamentares da Casa estavam na mesma sintonia. Em uma semana, 41 deles assinaram o documento. Porém, quase um mês depois, a CPI não foi instaurada.

A demora para abertura da apuração tem nome: Regimento Interno. As normas do Parlamento paulista permitem apenas cinco CPIs simultâneas. Outra comissão só pode ser aberta quando uma dessas se encerrar. E, nesse caso, a CPI do Trabalho Escravo está aguardando na mesma sala de espera que outras dez comissões.

Quando o entrave veio à tona, a imprensa chamou atenção para o problema e a maioria dos líderes de bancada assinou projeto de resolução que protocolei pedindo mudança do Regimento Interno para permitir a instauração imediata de uma sexta CPI. Todo Parlamento precisa de regras. Porém, as normativas precisam evoluir pari passu a modernização da sociedade, por um motivo simples: elas devem representar os anseios dos cidadãos.

Da mesma forma, quando cobramos uma investigação, não se trata de forçar a instauração de uma CPI. Ocorre que enquanto você lê esse artigo, há pessoas sendo escravizadas, há gente em verdadeiros cativeiros, perdendo sua vida por causa da exploração. Isso tem de parar.

Se você, leitor, assim como eu, não tolera o trabalho escravo, se os parlamentares da Assembleia são contra essa prática, se o governador Geraldo Alckmin assinou documento para combater esse crime, por que as investigações ainda não começaram? Que interesse mais importante que a defesa da vida é esse que impede que enfrentemos essa grave violação?

Amanhã, 21/9, na Comissão de Direitos Humanos, a direção da Zara dará explicações sobre a exploração de trabalhadores. Junto comigo e os demais integrantes da comissão, estarão também Luís Alexandre de Faria, auditor que descobriu novas oficinas de trabalho escravo na capital paulista; e Luís Antônio Machado, da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Desejo que, diante de tudo isso, o Llegislativo paulista não aguarde nem mais um momento para dar início à CPI. Se falharmos, mais do que colocar em xeque nossa capacidade de expressar os interesses da população, estaremos permitindo que casos de escravidão em São Paulo continuem a ocorrer. E, nesse ciclo de violência, quem se omite é igual a quem escraviza.



*Carlos Bezeerra Jr. é médico ginecologista e obstetra, deputado estadual pelo PSDB, membro da Comissão de Saúde e vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia.É autor de pedido para criar a CPI do Trabalho Escravo.

alesp