"Uma Nação que negligencia as percepções de seus artistas entra em declínio. Depois de um certo tempo ela cessa de agir e apenas sobrevive." A frase lapidar do poeta Ezra Pound, ao mesmo tempo que evidencia a importância da arte e da cultura na vida de um nos convida a pensar sobre o atual estado de coisas no Brasil. Não é difícil perceber que, quando as condições para a criação e a circulação da arte e da cultura sofrem um processo de estrangulamento, e o espaço da circulação de idéias é substituído pela superficialidade, logo se nota um empobrecimento das relações humanas. Daí para o desencanto, a paralisia e, em grau mais acentuado, a barbárie, são apenas alguns passos. Largos, por sinal. Diante do mundo cada vez mais mercantilizado, onde o poder de compra e venda está acima de valores humanistas, realidade, aliás, à qual a arte e a criação cultural não estão imunes, cabe pensar e repensar permanentemente qual o papel do Estado em relação à cultura do País. Em vez de se eximir de sua responsabilidade, como Poder Público, deixando tudo nas mãos do mercado, ou adotar a velha prática do clientelismo, o Estado pode e deve assumir seu papel, criando políticas públicas de fato para o fomento à cultura. Neste sentido, está tramitando na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo uma proposta séria e consistente de política pública para a cultura - o Projeto de Lei de criação do Fundo Estadual de Arte e Cultura. Resultado da articulação dos próprios artistas e agentes culturais, em diálogo aberto com o Legislativo, a proposta representa o amadurecimento de um longo processo histórico, da experiência, por mais de uma década, com as leis de incentivo, que, se de um lado possibilitaram muitos projetos importantes, por outro, acabaram transferindo a responsabilidade do Estado diante da cultura para as mãos da iniciativa privada. A proposta pressupõe a criação de uma política pública, estabelecida em lei, na qual o Estado assume sua responsabilidade no setor da cultura (não como produtor, destaque-se, mas como incentivador da criação artístico-cultural), da mesma forma que deve assumir em relação a saúde ou a educação. Esta ação do Poder Público, conforme as diretrizes do projeto, pode ser sintetizada em três pensamentos básicos: 1) a destinação de recursos diretos para projetos da sociedade civil, escolhidos através de editais públicos, de forma transparente e democrática; 2) a criação de ações estratégicas, pensadas e planejadas anualmente, para alavancar setores pouco articulados ou tradicionalmente alijados dos recursos públicos, mas com grande potencial criativo; 3) o incentivo aos municípios para a criação de programas públicos, permitindo parcerias entre Estado e Prefeituras, e possibilitando condições para o alastramento de políticas culturais estabelecidas em lei.Característica fundamental da criação do Fundo de Cultura é a inversão da lógica de mercado que prevaleceu na última década, através das leis de incentivo. O resultado dessa inversão é muito simples: ao ter um projeto aprovado, o artista, agente cultural, produtor ou entidade, não seria obrigado a rodar o chapéu no mercado, em busca de recursos; ao contrário, eles seriam disponibilizados pelo próprio Fundo. Além disso, os projetos seriam avaliados por um Conselho Estadual de Cultura, formado por pessoas competentes e conhecedoras dos meandros artísticos-culturais, metade indicada pelo próprio Secretário de Cultura, metade indicada pela comunidade artístico-cultural, através de suas entidades representativas. Não é difícil entender que, desta forma, os critérios e a seleção seriam infinitamente mais democráticos e transparentes.Outro aspecto igualmente fundamental da proposta é a descentralização de recursos por todo o Estado, por todos os segmentos artístico-culturais (cinema, dança, teatro, literatura, música, artes circenses, cultura popular, etc...) e tanto para artistas consagrados quanto para aqueles desconhecidos da mídia, que muitas vezes desenvolvem linguagens inovadoras e são mantidos longe dos recursos e do reconhecimento. Mas a grande percepção deste projeto do Fundo Estadual de Arte e Cultura, talvez a mais importante e urgente, é a de possibilitar o trabalho continuado de grupos ou indivíduos em projetos de criação artístico-cultural. Os resultados de medidas que se norteiam por este mesmo conceito podem ser medidos pelo Programa de Fomento ao Teatro da cidade de São Paulo que, já em sua terceira edição, tem possibilitado que mais de 40 importantes companhias teatrais, pequenas e vigorosas, como Cemitério de Automóveis, Sátyros, ou Folias D'Arte, apenas para citar três exemplos, continuem desenvolvendo suas pesquisas de linguagem, com membros estáveis e trabalhos duradouros. Diante da amplitude e da importância da proposta, é de se esperar que o Legislativo e o Executivo compreendam definitivamente a responsabilidade do Estado na implantação de políticas culturais. Cabe aos artistas, aos agentes culturais e à sociedade como um todo, cobrarem do Poder Público sua responsabilidade diante da cultura, encarando-a definitivamente como um bem imprescindível à oxigenação da comunidade, e não apenas como perfumaria, adereço ou penduricalho de consumo. Os representantes do Poder Público precisam compreender que, ao investir no fomento à cultura, o Estado está simplesmente cumprindo sua obrigação de contribuir para a formação de cidadãos mais críticos, conscientes e criativos e, com isso, certamente estará criando condições para melhorar a sociedade. Onde não há cultura há degradação, desencanto, barbárie.Vicente Cândido é deputado estadual (PT) e autor da Lei de Fomento ao Teatro do Município de São Paulo.