Em risco a galinha dos ovos de ouro

OPINIÃO
21/07/2003 17:02

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Arnaldo Jardim*

A agropecuária brasileira é mesmo um show de bola: depois de praticamente garantir o saldo da balança comercial no ano passado - o setor teve superávit de US$ 20 bilhões, acima dos US$ 13 bilhões do geral -, tem sua competência reconhecida pela Unctad - Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento. No entanto, há nuvens no horizonte - não no campo, mas na comercialização, diante do câmbio valorizado e do crédito escasso para a exportação.

Na semana passada, a Unctad divulgou, em seu Relatório Mundial de Commodities, projeções de que o Brasil poderá se tornar o maior produtor global nos próximos 12 anos. Essa expectativa pode ser antecipada, dependendo do encaminhamento da Rodada de Doha, da OMC - Organização Mundial do Comércio, no sentido de reduzir as barreiras dos mercados internacionais de produtos agrícolas.

Motivos para tal reconhecimento não faltam: de acordo com a Conab - Companhia Nacional de Abastecimento, do Ministério da Agricultura, o Brasil colherá nova safra recorde de grãos, no período 02/03, de 120,2 milhões de toneladas, 24,2% acima da safra anterior. Detalhe: este resultado é muito mais fruto do aumento da produtividade, da colheita maior por hectare, do que do aumento da área plantada, restrito a 8%, para 43,4 milhões de hectares. Assim, o Brasil vai demonstrando sua capacidade de incorporar tecnologia no campo, podendo, em alguns anos, superar os Estados Unidos como o maior exportador mundial de soja e carne bovina.

Esse ganho de produtividade ocorreu nos últimos dez anos, em que alterações radicais na economia acabaram por levar à profissionalização da atividade agropecuária. O aumento da produção rural concentrou-se mais em produtos de exportação, como soja, carnes e açúcar, levando à conquista de mercados, apesar das barreiras protecionistas encontradas em diversos países, como forma de proteger seus próprios agricultores e pecuaristas.

Sem muito crédito e sem qualquer subsídio, os produtos brasileiros ganharam destaque na balança comercial e começaram a preocupar a concorrência. Afinal, é de conhecimento geral que a nossa agropecuária dispõe de um trunfo de primeira linha: espaço para crescer, ao contrário de outros países. O Brasil pode se dar ao luxo de mais do que dobrar sua área plantada, para 90 milhões de hectares, sem tocar em uma árvore sequer da Amazônia, só contando com o cerrado, conforme relatório do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA).

Embalados pelo câmbio favorável, os produtores tiveram um estímulo extra para produzir, de olho nas exportações. Esse potencial de crescimento de produção e de conquista do mercado externo pode enfrentar tropeços com a recente valorização do real, que desestimula a busca do mercado interno e - pior - pode incentivar o incremento das importações. Por mais que o governo federal mostre-se avesso a interferir no mercado, é preciso ter em mente que, se o Brasil pode hoje comemorar um superávit recorde de US$ 11,1 bilhões no balanço de pagamentos (que inclui exportações, importações, receitas e despesas com juros, royalties etc, ingresso de recursos enviados por brasileiros no exterior e entrada e saída de capitais), deve-se em boa parte ao belo desempenho do comércio agropecuário. Não basta brigar para derrubar barreiras comerciais: é preciso estimular as exportações por meio de crédito e câmbio.

* ARNALDO JARDIM é deputado estadual, líder da bancada do PPS e coordenador da Frente Parlamentar pela Energia Limpa e Renovável de São Paulo. E-mail: arnaldojardim@uol.com.br

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