Comissão apresenta relatório sobre perseguição a defensores de direitos humanos no Brasil

Relatório foi apresentado também em Genebra, na mesma data
16/04/2002 21:27

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DA REDAÇÃO (com fotos)

A Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa, sob a presidência do deputado Renato Simões (PT), co-patrocinou nesta terça-feira, 16/4, a apresentação do relatório "Na Linha de Frente: Defensores de Direitos Humanos no Brasil (1997 - 2001)". Apresentado também em Genebra, Suíça, com a presença do representante do governo brasileiro Marcos Gama, o relatório foi elaborado pelas entidades não-governamentais Front Line, da Irlanda, e Centro de Defesa Global, do Brasil.

Movimento

O relatório é uma peça dentro do movimento que visa mapear e combater "a perseguição à defesa dos direitos humanos no Brasil. Esse movimento tem como objetivo forçar maior comprometimento do governo brasileiro quanto à proteção e prevenção de atentados, ameaças e assassinatos contra defensores dos direitos humanos, como tem ocorrido desde os tempos da ditadura militar sem solução de continuidade, até o presente", afirmou Renato Simões. Ele informou que "a ONU tem priorizado iniciativas para estabelecer representantes seus na área de proteção a defensores dos direitos humanos em cada país. Inclusive, o movimento civil está direcionado para que tenhamos a presença de Hilna Jilani, representante daquela organização mundial para a questão, em visita ao país proximamente".

Defensor de direitos humanos

Organizado por áreas temáticas, o relatório define defensor dos direitos humanos como "uma pessoa que trabalha, de forma pacífica, por qualquer dos direitos consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos". Segundo Andressa Caldas, do Centro de Defesa Global, ele está baseado em seis eixos, todos vinculados a violações de direitos humanos de defensores, conforme sua área de atuação: rural; urbana; povos indígenas; ambientalistas; direitos trabalhistas; e representantes eleitos.

Andressa ressalta que o trabalho "não esgota, mas documenta situações em que as autoridades públicas estão informadas sobre os casos, mas sua resposta tem um caráter ora passivo (não investigando nem punindo os crimes e ameaças), ora ativo - não investigando crimes praticados por agentes do governo, como policiais; estabelecendo serviços de espionagem e vigilância contra movimentos sociais, ONGs, defensores de direitos humanos; e resgate de leis, como a Lei de Segurança Nacional, com atuação de divisões do governo buscando atacar esses defensores".

No prazo de tempo apontado, o relatório aponta "19 casos de homicídios, 23 mortes, 38 tentativas de homicídios e ameaças de morte em 18 Estados brasileiros, dos quais 10 ocorreram no Rio de Janeiro e 7 no Pará. O nível de violência aumenta a partir da divisão temática: o risco maior se apresenta no campo da reforma agrária e luta pela terra, âmbito em que é maior o índice de mortes", acrescentou Andressa.

Rio Grande do Norte

Roberto de Oliveira Monte, presidente da ONG Centro de Direitos Humanos e Direitos Populares e do Conselho Estadual de Direitos Humanos do Rio Grande do Norte, relatou que as mortes ocorridas naquele Estado levaram a Comissão Interamericana de Direitos Humanos a determinar que o governo brasileiro tomasse medidas de proteção que se estendem a ele mesmo, vítima de ameaças por sua atuação. Monte chamou atenção para o fato de que "a atuação do governo federal é marcada por um misto de descaso e incompetência" e apontou as mortes do advogado Gilson Nogueira e de seu assessor, Antonio Lopes, bem como de "dezenas de pessoas" pelo grupo de extermínio Meninos de Ouro, chefiado pelo delegado Maurílio Pinto de Medeiros. Ligado ao delegado, o policial Jorge "Abafador" foi condenado a 47 anos de prisão. Descobriu-se que a arma que matou Gilson pertence a Otávio Ernesto, braço direito de Maurílio. Plácido Medeiros, que também atua na área de defesa dos direitos humanos, recebeu telefonema de ameaça de morte "que partiu do próprio Jorge Abafador, que estava utilizando a delegacia onde se encontrava preso para matar gente. Atearam fogo ao carro de Plácido Medeiros, e ele sabe que foi gente da polícia. O travesti Carla, que investigava as mortes, foi assassinado no centro de Natal, às três horas da tarde", continuou.

Desafio

Para Monte, o grande desafio do Conselho Estadual de Direitos Humanos é divulgar o mais possível as ocorrências, porque essa é a forma de conter as violações à Carta dos Direitos Humanos da ONU. Ele enfatizou que a proteção à segurança, por parte da Polícia Federal, é precária em função da "falta de recursos que caracteriza a atuação daquele órgão público, aliada à falta de vontade política. O raciocínio do grupo de extermínio é o de que estão limpando a sociedade. Seus agentes são pessoas da periferia, totalmente excluídas". O presidente do Conselho Estadual informou também que uma coletânea exaustiva de todos os documentos e dados sobre o assunto podem ser encontrados no site www.dhnet.org.br.

Espírito Santo

Andressa Caldas denunciou que, sob a fachada de uma sociedade filantrópica sem fins lucrativos, a Escuderia Le Coch "vem atuando e contando ainda com o auxílio do juiz Ivan Athiê, recentemente denunciado pelo sumiço de processos e por não punir pessoas incriminadas. Envolvida com o jogo do bicho, a Escuderia envolve toda a cúpula da Segurança Pública do Espírito Santo e até o presidente da Assembléia Legislativa daquele Estado. Os promotores públicos federais que faziam parte de uma força-tarefa para investigar os crimes da Escuderia afastaram-se todos por temor às ameaças de morte", acrescentou. "Ontem à noite Marcelo Denardai, assistente de acusação em processos contra a Escuderia, foi assassinado".

Programa de Proteção à Testemunha

O deputado Renato Simões ressaltou "a inexistência de uma política oficial de proteção à testemunha. A Lei 10.354/99, que dispõe sobre assistência à vítima de violência e proteção à testemunha, ainda não foi regulamentada. Ela estabelece outras modalidades de proteção que se somam ao Pró Vita, programa federal que sofre de limitação de orçamento: seus recursos para 2002 já se encontram esgotados". Simões acredita que as medidas de proteção à testemunha "envolvem a saída do protegido de toda sua vida anterior. A lei paulista estabelece um serviço especializado de proteção que não exige esse grau de radicalismo. Em São Paulo não existe uma supervisão para treinar os agentes de proteção, apesar dos recursos do Estado mais rico do país. As famílias de vítimas de violência encontram-se totalmente desassistidas, não recebem nada", finalizou.

Brasília

No próximo dia 24/4, o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana fará apresentação do relatório ao Executivo federal.

alesp