O "RESTO" É PINTO - OPINIÃO

Milton Flávio*
08/05/2001 15:58

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Imaginemos que a Justiça, tomada por um desatino coletivo de seus membros, resolvesse transformar em precatórios (dívidas judiciais, sobre as quais não cabem mais recursos) as cerca de 1200 ações em andamento contra o governo do Estado de São Paulo, por conta da desapropriação de áreas de proteção ambiental. Caberia a todos nós, contribuintes, arcar com uma dívida escandalosa e fraudulenta da ordem de R$ 50 bilhões - valor equivalente a 170% do orçamento anual do Estado, ou a mais de doze vezes o que foi roubado, nos últimos anos, da Sudam e Sudene, segundo as informações disponíveis. O governo do Estado já foi condenado em 114 ações, cujos valores somam R$ 3,3 bilhões.

O desatino a que me referi no parágrafo anterior fica por conta da verdadeira "indústria da indenização ambiental" montada em São Paulo na década de 80 e que prosperou graças à safadeza de proprietários de terra, corrupção de peritos, negligência de diversos juízes e omissão de governos anteriores - para dizer o mínimo, até porque é difícil crer que, em função dos valores citados, negligência e omissão sejam os termos mais exatos.

Após dezoito meses de trabalho, a CPI da Assembléia Legislativa, que acaba de aprovar o seu relatório final, conseguiu desvendar, digamos assim, o modus operandi dessa máfia e propor uma série de medidas para coibir sua ação. Ao longo desse tempo, pudemos constatar uma série de irregularidades que levaram ao surgimento de precatórios bilionários. Essas irregularidades começam na falta de comprovação do título de propriedade, passam por avaliações criminosas (que dão à gleba desapropriada um valor até oitenta vezes superior ao de mercado) e pela omissão de juízes (que aceitavam laudos de peritos que atuavam ora como seus assessores, ora como contratados da parte interessada na indenização), terminando com a prevaricação do Executivo, que não questionava as sentenças em tempo hábil.

Diante de tudo o que pôde ser verificado e comprovado, a CPI, que encerrou os seus trabalhos no dia 3 de maio, apresentou uma série de propostas que, a nosso ver, precisam ser adotadas pelos governos federal e estadual, Poder Judiciário, Assembléia Legislativa e entidades de classe, como o Conselho Regional de Economia e Arquitetura (Crea) e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), entre outras. São medidas que, implantadas, darão total transparência ao processo de desapropriação e indenização de terras para fins de proteção ambiental - além, é claro, da revisão de todos os processos em andamento, a fim de que os atuais e futuros contribuintes e cidadãos de nosso Estado não sejam apenados por crimes cometidos por quadrilhas especializadas em saquear os cofres públicos.

Uma das propostas é no sentido de que, por um período de um ano, o Judiciário deixe de apreciar todos os processos relativos às indenizações ambientais, até que novas regras e conceitos sejam formulados. Para tanto, a CPI propõe a formação de uma comissão formada por representantes de diversas instituições, como a ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis), IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas), entre outras, e dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

Como se viu - embora sejam criminosos e, portanto, passíveis de penas -, os desvios de recursos praticados na Sudam e na Sudene, perto dos promovidos pela "máfia" das indenizações ambientais, são pinto, como se costuma dizer.

Milton Flávio é deputado estadual pelo PSDB-SP, coordenador da Frente Parlamentar do Cooperativismo Paulista e ex-presidente da CPI das Indenizações Ambientais

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