Opinião: Pobre Sargento!


04/04/2005 10:49

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Milton Flávio*

Tido como folclórico pelos seus pares e eleitores, o deputado estadual Manoel Isidório de Santana (PT/BA) conseguiu, nos últimos dias de março, seus fugazes momentos de fama, às custas de um tremendo desserviço à nação. "Sargento" Isidório, como é conhecido, foi à tribuna da Assembléia Legislativa da Bahia para fazer troça com assunto sério. Com gestos e gritos, conforme noticiaram os jornais, procurou demonstrar o desconforto que sentiu ao se submeter ao exame de toque retal para diagnosticar eventuais problemas na próstata. Da tribuna, abusou do direito de falar bobagens e, desta forma, contribuiu para alimentar um preconceito ainda existente em muitas parcelas da sociedade.

Isidório é um bronco. Mas sua ignorância não lhe dá o direito de ser irresponsável. Há anos, a comunidade médica e os órgãos públicos vêm-se empenhando no sentido de que homens com mais de 50 anos (em muitos casos, o exame clínico é recomendado para quem passou dos 40 anos) abandonem o medo e o preconceito e se submetam, anualmente, ao toque retal. Tal empenho se justifica na medida em que o câncer de próstata é responsável por 40% dos tumores malignos que afetam as pessoas do sexo masculino com mais de 40 anos de idade.

O toque retal se faz necessário porque nem sempre a ultra-sonografia é capaz de identificar o tumor na sua fase inicial. Quando ocorre uma inflamação ou o surgimento de um tumor benigno, os níveis de PSA aumentam, a exemplo do que ocorre quando há a presença do câncer, o que dificulta, no mais das vezes, o diagnóstico correto. Por isso, não basta fazer o exame de sangue e a ultra-sonografia. O toque retal é imprescindível para uma avaliação adequada. Se diagnosticado em sua fase inicial, quando o tumor se encontra dentro da glândula, o câncer de próstata é passível de cura, na maior parte dos casos.

São Paulo é o primeiro Estado brasileiro a dispor de uma lei " a de número 9.824, de 31 de outubro de 1997 " que instituiu o programa de detecção precoce do câncer de próstata. Por meio dela, os hospitais e centros médicos da rede pública devem promover, gratuitamente, os exames necessários para diagnosticar precocemente o problema e solucioná-lo, sempre que possível. Urologista e professor da Faculdade de Medicina da Unesp, em Botucatu, tive o privilégio de poder apresentar a referida lei na Assembléia Legislativa de São Paulo e de contar com o apoio dos demais deputados para aprová-la.

Como profissional da área e igualmente deputado, não posso aceitar que um parlamentar ocupe a tribuna para prestar um desserviço dessa monta à nação. É inadmissível que, enquanto os órgãos públicos " hospitais, centros de saúde e universidades " investem um volume considerável de recursos para fazer frente às suas responsabilidades com a população, venha um despreparado tecer piadas sobre um problema que aflige um número imenso de pessoas.

Na verdade, o Sargento Isidório faria muito se não falasse besteiras e se empenhasse, isto sim, para aprovar e implementar leis como temos em São Paulo. Mas, pelo visto, falta-lhe inteligência para tanto, para dizer o mínimo.

*Milton Flávio é urologista, professor da Faculdade de Medicina da Unesp (Botucatu) e deputado estadual pelo PSDB-SP

miltonflavio@al.sp.gov.br

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