Pobres viúvas

Opinião
23/05/2005 17:01

Compartilhar:


Dia desses, um antigo conhecido que vive fase aguda de esquizofrenia me perguntou, entre um lapso de ira e um instante de torpor, se eu achava mesmo que o governo Lula acabou. Quase, quase, caio, na sua armadilha involuntária. Ia começar a lhe fazer o célebre discurso segundo o qual política é feito nuvens, que é sempre prematura qualquer previsão... Aí, caiu a ficha do bom-senso. Como se pode colocar ponto num parágrafo que não foi iniciado?

Mas, em solidariedade ao seu estado de angústia, optei pela saída convencional: tergiversei. Nunca imaginei que o avançar dos anos me transformasse, por assim dizer, em uma espécie de consolador de viúvas de maridos vivos, bem vivos, por sinal.

Que a decepção da sociedade com o (permitam-me as aspas, por favor) "governo" Lula só tende a aumentar é algo tão líquido quanto certo. Que ninguém espere coisa relevante até o final do próximo ano. Nenhuma reforma importante será aprovada no Congresso Nacional. Todas as promessas de campanha " reforma tributária, reforma política, reforma trabalhista, reforma sindical, reforma da Santa Sé " ficarão onde sempre estiveram: no belo discurso para inglês ver e fazer viúvas de maridos vivos chorarem os bons tempos que, na verdade, nunca existiram.

O que é pior: a tendência é que as coisas piorem, na medida em que o PT e Lula tomarem a consciência plena de que a reeleição do atual presidente é mais que incerta. No desespero, é bem capaz que um e outro optem por desfrutar de forma intensa as regalias que o poder do Diário Oficial pode lhes dar e por pagar, às nossas custas, os preços que o sonho impossível venha, cedo ou tarde, a lhes cobrar. Com juros de humilhar a taxa que hoje nos é imposta pelo Banco Central. A turma dos negócios já farejou as oportunidades.

Não se trata evidentemente de tripudiar milhões de brasileiros que, na boa fé, acreditaram nas promessas do candidato. Nem de ingressar o coro dos que batem palma para o quanto pior melhor. Trata-se, isto sim, de constatar o óbvio: este "governo" nunca teve um projeto para o país e, mesmo que tivesse, carece de competência para pôr em marcha uma carroça. Não é por acaso que petistas bem-intencionados estão a morrer de vergonha pelo que vêem. A tão propalada ética do PT, a cada dia, se desfaz nas mãos e braços de gente do quilate de Waldomiro Diniz e de tantos outros que gozam da plena confiança dos líderes partidários que compõe a quase-base de sustentação do governo no Congresso Nacional.

É possível que o próprio presidente da República não se dê conta, inebriado que está com os salamaleques que tantos lhe dedicam. Mas ele presta um desserviço à democracia. Com sua arrogância, incompetência e inapetência para o trabalho. Que tantos estejam com seus nervos em frangalhos, como o meu velho conhecido, citado acima, é compreensível. Como é compreensível que nós, não votantes num projeto inexistente, também estejamos com os nervos à flor da pele. Afinal, a conta do improviso e do despreparo sempre acaba espetada em nossos bolsos e almas. Lula e o PT vivem. Faltam lenços para tantas viúvas.

*Milton Flávio é professor de Urologia da Faculdade de Medicina da Unesp (Botucatu) e deputado estadual pelo PSDB-SP

miltonflavio@al.sp.gov.br

alesp