PROFESSORES E MESTRES - OPINIÃO

Roberto Engler*
18/05/2001 16:10

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Há uma diferença enorme entre ser professor - burocrata cumpridor de horários e planos de ensino - e ser mestre realmente preocupado com seus discípulos. O primeiro vê apenas números e notas, o segundo enxerga homens que podem ser melhorados. E já nem incluo neste rol um terceiro tipo, que sequer professor é, que anda proliferando pelas escolas do país contaminando o futuro da nação.

Um pequeno texto que circula há muito tempo, lembro de tê-lo lido em uma Seleções antiga, agora o redescubro na Internet, fala muito desta diferença entre professor e mestre. O título é "Lecionei a todos eles" e a versão mais comum é a seguinte:

"Tenho ensinado no ginásio por dez anos. Durante esse tempo eu lecionei para, entre outros: um evangelista, um lutador de boxe, um ladrão e um imbecil.

O assassino era um menino que sentava num lugar da frente e me olhava com seus olhos azuis. O evangelista era o mais popular da escola, era o líder dos jovens entre os mais velhos. O lutador de boxe ficava parado perto da janela e soltava uma gargalhada abafada, que até fazia gemer os gerânios. O ladrão era um coração alegre, diria libertino, sempre com uma canção jocosa em seus lábios. O imbecil, um pequenino animal de olhar macio, dócil, procurando as sombras.

O assassino espera a morte numa penitenciária do Estado. O evangelista está enterrado, há um ano, no cemitério da vila. O lutador de boxe perdeu um olho numa briga em Hong Kong. O ladrão, na ponta dos pés, pode ver da prisão as janelas do meu quarto. O imbecil, de olhar macio, bate com a cabeça na parede forrada, de uma cela, no asilo municipal.

Todos esses, um dia, sentaram na minha sala. Sentaram e olharam para mim, gravemente, das suas carteiras escuras e surradas. Eu devo ter sido de grande ajuda para esses alunos... Eu lhes ensinei o esquema encontrado nos versos alexandrinos e como colocar em diagrama uma sentença completa. (N. Johan White, professora do High School, de Stillwater, Oklahoma, Estados Unidos)".

O professor, enfim, está preocupado apenas em dar um conteúdo prefixado, muitas vezes sem nem mesmo a preocupação em saber se ele foi apreendido ou não. O mestre preocupa-se em estimular em cada aluno seus melhores potenciais, aprimorar-lhe as virtudes e limitar-lhes os vícios. Ao primeiro é indiferente se senta-se à cadeira João ou José, ao segundo cada um de seus alunos é uma individualidade que ele tem o compromisso moral de melhorar.

De imediato haverá aqueles que dirão que este segundo papel é impossível porque o professor ganha pouco, tem de dar um número enorme de aulas, mal pode preparar as aulas de forma adequada. Aproveito aqui e menciono o fato de tentar se atribuir à não aplicação dos recursos constitucionais na Educação.

Esta é uma afirmativa duplamente falaciosa, primeiro porque é falsa em si, como comprovou a CPI sobre o assunto da qual fui relator e que comprovou que o Estado gasta mais do que está obrigado. Quanto à questão do pagamento dos inativos, uma das principais polêmicas da comissão, não só vem sendo sucessivamente aprovada na justiça como a própria administração petista em São Paulo vem utilizando o mesmo método.

Não contesto que ainda se está distante da educação que se deseja, mas negar os grandes avanços que vem sendo obtidos e atribuir o total das culpas ao governo do Estado é certamente uma atitude de má-fé. Elevar os salários do magistério - ainda mais do que o que já foram elevados durante o governo Covas - não é suficiente, mesmo que fosse possível, para resolver o problema.

Aquele que diz que dá aulas ruins porque ganha pouco jamais irá dar boas aulas por maior que seja o seu salário. É evidente que função de tamanha responsabilidade como o magistério tem de ter bons salários, boa formação, atualização constante, tempo para estudar e pensar. Qualquer nação sensata atribuiria a esta nobre carreira tantos atrativos que somente os melhores dos melhores poderiam vencer a disputa por uma cadeira de mestre.

Mas não será com sonhos e utopias que se vencerá este desafio, porque o verdadeiro mestre se mostrará até nas mais desagradáveis condições, nenhum obstáculo o impedirá de exercer seu papel. Mas uma mudança efetiva só virá quando os pais decidirem cobrar resultados efetivos e com isto romper fortes interesses corporativos que impedem que os verdadeiros professores sejam mestres efetivos.

*Roberto Engler é deputado estadual pelo PSDB e foi relator da CPI das verbas da Educação.

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