UMA MERCEARIA CHAMADA SENADO

Vitor Sapienza*
19/06/2001 15:40

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O falso consumidor entrou no supermercado e foi direto ao setor de frutas finas. Não hesitou ante a variedade ali exposta e, pouco a pouco, foi provando de tudo. Uma uva aqui, um caqui ali, uma ameixa, uma maçã mais além. Em pouco tempo já havia feito uma refeição completa. Nos bastidores, os agentes da segurança observavam atentamente as atitudes do tal consumidor, esperando o momento exato para uma abordagem.

Antes que o pessoal o interpelasse, de mãos vazias e estômago cheio, ele aproximou-se dos caixas, pediu licença à prestativa funcionária e saiu. Levou consigo as provas do crime e deixou a frustração com o pessoal da segurança. A dúvida era saber quando ele estaria de volta ou onde atacaria outra vez.

O sintoma de impotência por parte do pessoal da segurança poderá fazer até com que sejam alterados alguns procedimentos, mas no todo ficou patente que, dependendo das intenções, será impossível inibir novos avanços e mais dias menos dias o suspeito consumidor estará de volta, para novos avanços, novos ataques...

O exemplo acima é fictício, mas certamente ocorre em qualquer lugar deste país. A noção de impunidade faz com que, a todo instante, pequenos e grandes contraventores coloquem em prática, de maneira mais ousada possível, simples ou sofisticados estratagemas de modo a levar vantagens. No Senado Federal não foi diferente. Entre uma banana ou um abacaxi, alguns estômagos saíram bem nutridos, seja de informações estratégicas ou de outro benefício. Se houve conivência do pessoal da segurança, inoperância ou ainda esquecimento de algumas normas, tanto faz. A porta foi arrombada, a descrença por parte da população aumentou e, no ano que vem, nas próximas eleições, a classe política terá mais esse tributo a pagar.

Ainda sem saber quais serão todos os desdobramentos políticos em conseqüência da quebra do sigilo do painel de votação do Senado Federal, vamos tentando imaginar o que acontecerá na política brasileira. Cassação ou renúncia, tanto faz. O que importa é que a instituição foi penalizada com o descrédito, e a postura de homens sérios, por parte dos envolvidos, já não se apresenta mais a mesma. Mesmo que esses envolvidos tentem um retorno ao Parlamento, nas próximas eleições, o mundo político não será o mesmo, a imagem está manchada.

E é exatamente essa imagem que vai sendo exportada. A imagem de um país onde predominam as falcatruas, o "jeitinho", os acertos, os acordos espúrios. A imagem do país vai sendo maculada dia a dia, por atitudes de pessoas que deveriam ter um compromisso com a nação, mas que, infelizmente, adotam posturas dignas de um falso consumidor. Passo a passo, lentamente ele percorre todos os caminhos e vai captando apenas o que é de seu interesse. Pouco importa a dilapidação causada ao patrimônio alheio, mesmo que esse patrimônio seja o mais sagrado, a Nação.

Pouco importa mais uma informação privilegiada, o que se busca é o poder, representado pela força da pressão política. Uma pressão que, no andar de cima, poderá ser transformada em recursos para obras, em troca de favores, em decisões, em votos, em cifras. O que se viu no Senado Federal vai muito além da simples cassação política de um senador acusado de atos ilícitos.

O que se viu no Senado foi a postura similar a do falso consumidor no supermercado. Foi o lento consumo de todo o estoque. Pouco importou se ali estava estocada uma fruta, um alimento, um doce ou informações privilegiadas. Esqueceram-se de que ali estava depositada a imagem de uma instituição que, no mínimo, precisava ser respeitada. Ali estava a imagem do Senado da República infelizmente tratado como um produto qualquer em uma mercearia.

Confundiram-se os produtos expostos, os sistemas de segurança, de armazenagem, de atendimento, os recursos humanos, tudo. Não faltaram até mesmo os falsos consumidores. Alguns iludidos pela propaganda enganosa do estabelecimento, outros, pelas facilidades, variedade e simples acesso. E o despreparo, a má-fé e a conduta desse consumidor foram o que de pior poderia ter ocorrido. Uma questão de formação, dirão os incautos; de caráter, dirão os mais ingênuos; de princípios, dirão os honestos; de vergonha, dirá a sociedade enganada.

*Vitor Sapienza é deputado estadual pelo Partido Popular Socialista

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