Assembléia abre nesta terça-feira exposição sobre Caio Prado Júnior


10/02/2003 18:29

Compartilhar:


Da redação

A Divisão do Acervo Histórico da Assembléia Legislativa inaugura nesta terça-feira, dia 11 de fevereiro, às 19 horas, a exposição "Caio Prado Júnior, Parlamentar Paulista", no Hall Monumental do Palácio 9 de Julho. Algumas dezenas de fotografias e documentos, divididos em 19 vitrines, traçam um painel sobre a vida e a atuação política do historiador paulista.

A exposição reúne imagens da família Silva Prado, do período de formação de Caio Prado no Colégio São Luiz e na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, da passagem pelo Legislativo Paulista em 1947, fotografias feitas por ele próprio em suas viagens pelo Brasil, além de livros e publicações que compõem sua obra.

Idealizada pelo diretor da Divisão do Acervo Histórico, Dainis Karepovs, a exposição conseguiu juntar material fotográfico e iconográfico, que se encontrava distribuído pelos acervos pessoais de Danda Prado, filha de Caio Prado, de Maria Cecília Naclério Homem, sua última esposa, de Florestan Fernandes, pelos arquivos do DOPS e do Estado de São Paulo, do Colégio São Luiz e, principalmente, do Acervo Histórico da Assembléia.

O intelectual

Membro de uma família das mais ricas e influentes de São Paulo, na qual figuram notórios bandeirantes, Caio Prado Júnior trilhou caminhos semelhantes a de alguns outros "rebeldes" dos Silva Prado. Foi ele quem mais adiante levou a questão da necessidade da inserção das classes trabalhadoras no âmbito dos que detêm o poder econômico e político.

Nascido em 11 de fevereiro de 1907, filho de Caio e Antonieta Silva Prado, Caio da Silva Prado Júnior teve educação esmerada. Iniciou os estudos em casa, orientado por professores particulares, como era comum entre as elites daquela época. Em 1918, ingressou no Colégio São Luiz, dos jesuítas. Freqüentou também o Colégio Chelmsford Hall, em Eastbourn, Inglaterra.

Na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, concluiu bacharelado em Ciências Jurídicas e Sociais aos 21 anos. Exerceu a advocacia por apenas alguns anos. Mas foi na Faculdade de Direito que iniciou sua preparação crítica no ensaísmo político. Com a fundação da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, em 1934, Caio Prado participou dos cursos de história e geografia, em contato com professores da missão francesa, como os geógrafos Pierre Moinbeig e Pierre Deffontaines. Mas não chegou a concluir o curso. Anos mais tarde, obteria o título de livre-docência pelo Departamento de História daquela instituição.

Em 1933, Caio Prado Júnior publicou A Evolução Política do Brasil. Nessa obra pioneira, o jovem historiador traça a síntese da nossa evolução política, fazendo uso de uma nova chave de interpretação científica - o materialismo dialético. O livro desloca o foco dos estudos históricos tradicionais que atendem aos interesses das classes dirigentes para um tipo de análise histórica centrada na ação política das camadas populares.

Em 1942, publicou o livro Formação do Brasil Contemporâneo. Junto com Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre, e Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, o livro de Caio Prado é considerado obra chave para todos os que aprenderam a refletir e a interpretar a formação da sociedade brasileira. Em 1945, publicou História Econômica do Brasil, outro livro clássico, no qual resume as características da colonização brasileira, ao assinalar o tripé de sua estrutura econômica e social: o latifúndio, a monocultura e a escravidão.

Na década de 60 publicou A Revolução Brasileira. Este livro pode ser considerado a primeira reflexão de peso realizada por um militante de esquerda em relação ao fracasso político de 64, que ganhou enorme repercussão na época. Ao apresentar a economia brasileira integrada no sistema mundial do capitalismo e ao negar a existência no Brasil de um campesinato, nos moldes clássicos, o livro de Caio Prado, na avaliação de Jacob Gorender, "abriu as cabeças, inclusive pelo estilo polêmico e agressivo, pela argumentação sem subterfúgios. Naquele momento, uma voz no tom que a esquerda queria ouvir".

Além do ensaísmo político, Caio Prado Júnior dedicou-se às atividades editoriais. Na década de 40 fundou a Gráfica Urupês e a Editora Brasiliense. Lançou em setembro de 1955 a Revista Brasiliense, voltada ao exame dos problemas econômicos, sociais e políticos. A revista foi um marco de seu tempo, um órgão de vanguarda, com repercussão em todo território nacional. Por ordem do Regime Militar instalado em abril de 1964, a revista foi extinta e seu editor perseguido sistematicamente pelos serviços de repressão, tornando-se rotineiros para Caio Prado as prisões, as apreensões e os depoimentos.

Atividade política

A atuação política de Caio Prado começou no Partido Democrático (PD), em 1928. O PD apoiou o candidato da Aliança Liberal nas eleições de março de 1930. Derrotada nas urnas, a Aliança Liberal iniciou preparativos para um golpe de estado que desembocariam no movimento armado de 3 de outubro de 1930, conduzindo Getúlio Vargas ao poder. Caio Prado realizou algumas operações de sabotagem nas instalações de comunicações da estrada para o Rio de Janeiro. Após a vitória das forças aliancistas, Caio foi designado para a delegacia revolucionária de Ribeirão Preto, onde trabalhou durante cerca de três meses.

Decepcionado com a inconsistência política e ideológica da chamada República Nova, aproximou-se do marxismo e, em 1931, filiou-se ao Partido Comunista do Brasil (PCB). Sua condição de intelectual, aliada à sua conhecida independência frente aos cânones ideológicos, marcou quase que de modo permanente sua longa relação, nem sempre pacífica, com o PCB.

A ascensão do nazismo na Alemanha reorientou a política dos Partidos Comunistas, que concentraram suas ações na luta antifascista. As chamadas frentes populares, consagradas como orientação geral dos partidos comunistas no VII Congresso da Internacional Comunista, em 1935, repercutiram no Brasil inspirando o surgimento da Aliança Nacional Libertadora (ANL). Francamente de oposição ao governo Vargas, a ANL reunia um variado espectro de forças sociais antivarguistas, inclusive, como não poderia deixar de ser, os comunistas. Caio Prado assumiu a vice-presidência regional da ANL em São Paulo. Realizou viagens, palestras, comícios, organizou diretórios municipais da ANL pelo Estado.

A ANL foi enquadra na Lei de Segurança Nacional e a idéia de insurreição armada foi levada a cabo em novembro de 1935, em Natal, Recife e Rio de Janeiro. Por suas atividades na organização, Caio Prado foi submetido a uma severa vigilância por parte da polícia paulista. Foi preso em dezembro de 1935. Permaneceu dois anos no cárcere, até findar o estado de sítio, quando encontrou o caminho do exílio na França. Ali, militaria no Partido Comunista Francês (PCF), executando tarefas de apoio e de solidariedade aos combatentes republicanos da Guerra Civil Espanhola.

A derrocada dos países do Eixo deixou claro que o Estado Novo amargava seus dias finais. Os comunistas brasileiros ressurgiriam abertamente na cena política do país do Pós Guerra. O PCB requereu ao Tribunal Superior Eleitoral o seu registro em setembro de 1945, conquistando-o definitivamente em novembro. O partido voltava à legalidade depois de 18 anos. Em suas fileiras, escritores, jornalistas e professores universitários, como Jorge Amado, Graciliano Ramos, Álvaro Moreira, Cândido Portinari, Mário Schemberg, Aparício Torelli, Oscar Niemeyer e Caio Prado Júnior. Muitos iriam candidatar-se nas eleições de 1945 e 1947.

Nas eleições de novembro de 1945, Caio concorreu a uma vaga de deputado federal constituinte pelo PCB, conquistando a terceira suplência. Em 1947, saiu vitorioso nas eleições de 19 de janeiro, como deputado estadual constituinte.

O parlamentar

Como parlamentar paulista, Caio Prado integrou em 1947 a Comissão Especial de Constituição, encarregada de elaborar o anteprojeto, analisar as emendas e redigir o texto final. Sua atuação mais destacada nos trabalhos constituintes se deu na discussão sobre o regime tributário. Procurou demonstrar que a principal fonte de arrecadação deveria ser o imposto territorial, ao invés do Imposto de Vendas e Consignações (IVC), que onerava, sobretudo, as classes trabalhadoras. Com a promulgação da Constituição do Estado, em 9 de julho de 1947, passou a integrar a Comissão Permanente de Constituição e Justiça, como vice-presidente.

Ocupou a liderança do seu partido na Assembléia e apresentou mudanças na Lei Orgânica dos Municípios, propôs a criação de uma Escola de Filosofia, Ciências e Letras em Taubaté e apoio financeiro à pesquisa científica, por meio da Fundação de Pesquisa Científica. Esta iniciativa foi caracterizada por Caio Prado como uma completa transformação da vida cultural do Brasil. A proposta era que 0,5% da receita ordinária fosse destinada, sob a forma de auxílios, bolsas e subvenções, ao financiamento de pesquisas científicas. A administração dessa fundação de pesquisa caberia a uma diretoria eleita por um conselho composto por representantes dos principais órgãos de pesquisa do Estado. Embora elogiado até pelo jornal O Estado de S. Paulo, sabidamente avesso ao comunismo, a iniciativa encontrou resistências pelo fato de seu autor pertencer ao PCB. Foi apresentado então um substitutivo que, ao invés de criar um novo organismo, aproveitava os fundos universitários de pesquisa já existentes e introduzia mudanças na estrutura de funcionamento, em particular na composição do conselho geral. Com a cassação dos mandatos dos deputados comunistas e com a entrada de uma nova proposta apresentada pelo Executivo, a discussão sobre o assunto foi interrompida.

Esta seria retomada somente em 1960, em outros moldes, dando origem à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Sob o influxo da Guerra Fria, a normalidade institucional do país seria quebrada. O governo Dutra cassou o registro do PCB e em 7 de janeiro de 1948 um projeto na Câmara do Deputados levou à cassação de todos aqueles eleitos pelo PCB. Parlamentares da legenda em todo o país perderam seus mandatos. Na Assembléia paulista a atuação da bancada comunista encerrou-se em 12 de janeiro daquele ano.

Com o PCB na ilegalidade, Caio Prado foi preso, junto com vários membros da bancada, durante três meses, em razão de um manifesto contra uma possível intervenção federal em São Paulo.

Seus pronunciamentos em plenário eram verdadeiras aulas, que muito enriqueceram a Assembléia Legislativa de São Paulo. Caio Prado emprestou sua veia de historiador ao Parlamento quando propôs uma emenda ao projeto de Constituição deixando para que a legislação ordinária definisse como seria a bandeira paulista. O texto original do projeto de Constituição falava em "tradicional bandeira", referindo-se à aprovada por um decreto que a descrevia com 13 listras. No entanto, em sua justificativa, o parlamentar do PCB lembrava que a bandeira paulista fora idealizada por Júlio Ribeiro, composta por 15 listras. Advertia então que o assunto mereceria profunda discussão, coisa que não cabia acontecer naquele momento.

Este e outros episódios, aludidos na exposição que a Assembléia Legislativa realiza, dão conta do brilhantismo da passagem de Caio Prado pelo Parlamento paulista, interrompida pela cassação do seu mandato em dezembro de 1947. Com o PCB na ilegalidade, Caio Prado foi preso, junto com vários membros da bancada, durante três meses, em razão de um manifesto contra uma possível intervenção federal em São Paulo. Entretanto, sua atividade política não se encerraria ali. Seu vigor crítico esteve alerta nos anos seguintes, marcados por grandes turbulências políticas e institucionais.

Somente os limites biológicos afastariam-no da militância política mais intensa. Caio Prado foi escolhido em 1988 para receber o Prêmio Almirante Álvares Alberto para Ciência e Tecnologia, na área de ciências humanas. Já doente, sem condições de recebê-lo pessoalmente, Caio foi representado por sua filha Yolanda Prado. No mesmo ano, o campus de Marília da Universidade Estadual de Paulista (Unesp) dedicou a II Jornada de Ciências Sociais a Caio Prado Júnior. Dezenas de estudiosos analisaram, revisaram e resgataram a contribuição do historiador para as ciências humanas no Brasil. O resultado foi publicado em livro. Caio Prado morreu em São Paulo em 23 de novembro de 1990, aos 83 anos.

A exposição idealizada pela Assembléia de São Paulo antecede o lançamento, em breve, do livro Caio Prado Júnior: Parlamentar Paulista. Com esse volume, a Divisão do Acervo Histórico dá continuidade à série "Parlamentares Paulistas", iniciada com um livro sobre Eugênio Egas. A publicação a ser lançada traz um perfil biográfico de Caio Prado, sua atuação parlamentar, proposições, pronunciamentos e a bibliografia completa do autor.

alesp