Basta de perturbação telefônica

OPINIÃO - Romeu Tuma *
08/06/2004 17:45

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Projeto de lei de minha autoria, aprovado na semana passada, proíbe as empresas de telemarketing de completar ligações telefônicas para as pessoas que não queiram recebê-las. São previstas duas ações: a primeira cria um cadastro com os nomes dos cidadãos que não querem receber chamadas comerciais em casa. A segunda ação determina que as empresas interessadas em manter os serviços de telemarketing terão que apresentar mensagem gravada antes do início das conversações, a exemplo do que já ocorre nas ligações a cobrar. O consumidor deve ser alertado tratar-se de uma veiculação publicitária ou comercial e tem a opção de atender ou desligar o aparelho. Desta forma, fica preservada a privacidade de cada um.

Pensei em garantir os direitos individuais ao propor a lei. O objetivo da lei é defender os interesses do cidadão importunado pelas ligações em qualquer horário do dia ou da noite.

Como não poderia deixar de ser, a representação dos empresários do setor, a Associação Brasileira de Telemarketing, emitiu comunicado oficial repudiando a iniciativa. Diz a nota que "o projeto fere a Constituição ao legislar sobre telecomunicações e privacidade, assuntos de competência exclusiva do nível federal do Legislativo, Judiciário e Executivo". A entidade afirma também que "a lei sufoca o setor, um dos maiores empregadores no País, que já demandava padrões altos de profissionalização e respeito ao consumidor". O comunicado prossegue dando conta que o "projeto é pouco democrático, já que o deputado Romeu Tuma não se preocupou em ouvir os representantes da atividade econômica sobre a qual pretende legislar".

Essa ABT tem um comportamento muito estranho. O projeto tramitou na Assembléia Legislativa por oito meses. Neste período, não recebi nenhuma manifestação das empresas do setor. Só quando propus o projeto, esses empresários me procuraram por telefone. Na ocasião, até solicitei sugestões sobre o tema, mas nunca obtive resposta. Ao contrário do que dizem os empresários nunca tentei prejudicar o setor. Pretendo apenas regulamentar uma atividade invasora dos nossos lares sem aviso prévio ou sem hora marcada.

Alguns casos podem ilustrar melhor a quebra da privacidade e violação sistemática do espaço doméstico. Por exemplo, as mensagens telefônicas enviadas nas vésperas do Dia dos Namorados devem funcionar bem porque os destinatários recebem as ligações de empresa contratadas e são informados sobre mensagens especiais enviadas. Se aceitarem a proposta, ouvem o conteúdo das mensagens imediatamente. Se não puderem atender, outros horários são marcados. O cidadão é avisado sobre a abordagem do serviço de mensagens e tem a opção de não ouvir o recado no momento ou depois. A prática é civilizada porque parte do princípio que, do outro lado da linha, existe um brasileiro protegido pela Constituição e pelas leis do país.

Na atividade política, principalmente durante as campanhas eleitorais, a lei que propomos cai como uma luva. O eleitor recebe uma ligação, feita por uma empresa de telemarketing, que apresenta uma gravação com a voz do candidato. Além de invadir a privacidade do cidadão, a prática induz a imaginar que o candidato está na linha telefônica, o que é um engodo.

Sempre é bom lembrar que uma lei semelhante vigora em Porto Alegre, depois de aprovada, no ano passado, pela Câmara Municipal. Nos Estados Unidos, berço do capitalismo, a atividade também é regida por normas ainda mais rígidas de controle em defesa dos consumidores. Por que não regulamentar esta situação em São Paulo? Sempre que o Parlamento, representante legítimo dos cidadãos, procura regulamentar determinada atividade, imediatamente o setor envolvido se levanta com o velho discurso ameaçador sobre desemprego.

Foi o que ocorreu recentemente com os bingos, quando o presidente Lula tentou acabar com a atividade por meio de uma Medida Provisória. Na ocasião, as associações de donos de jogos clandestinos promoveram grande barulheira e argumentaram que a medida provocaria o desemprego de 300 mil pessoas. Logo questionei se esse exército de trabalhadores era registrado, com carteira assinada e se os impostos eram devidamente recolhidos. Nunca tive resposta porque o argumento, se não era inventado, engordava números e criava empregos onde existem apenas ocupações temporárias. O telemarketing repete o discurso diante do meu projeto. A resposta não pode ser outra: quem trabalha direito não precisa ter medo de ver a atividade regulamentada pelo Legislativo.

Não podemos permitir práticas excessivas contra os direitos individuais, contra a privacidade e contra a inviolabilidade do lar. O cidadão tem o direito de gozar o descanso merecido ao final de um dia de trabalho. De chegar em casa e usufruir o aconchego do lar com a família. Basta de perturbação telefônica do sossego público.



*Romeu Tuma é deputado estadual (PPS) e ex-presidente da Comissão de Segurança Pública da Assembléia Legislativa de São Paulo

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