DO FORNO À CÁTEDRA - OPINIÃO

Milton Flávio*
13/12/2001 14:44

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O padeiro Severino da Silva conseguiu uma façanha, dessas que poucos conseguem: ganhar espaço no Fantástico, da rede Globo, e em todos os principais veículos de comunicação do país. Tudo por conta de sua aprovação, em nono lugar, no vestibular para o curso de Direito vespertino da Universidade Estácio de Sá, do Rio de Janeiro.

A Universidade Estácio de Sá, pelo que se sabe, não é lá essas coisas. E nono lugar nunca mereceu destaque neste país, onde ninguém dá valor algum para os segundos colocados, a não ser eles próprios. A súbita e efêmera notoriedade de Severino da Silva deve ser única e exclusivamente creditada ao fato de que ele é analfabeto, ou quase.

É isso mesmo: um analfabeto, ou quase, "passou" em nono lugar no processo seletivo para um curso de Direito. Pode parecer muita coisa. Não é. O padeiro foi lá, investiu nas alternativas A e B, não fez a redação (por razões óbvias) e ficou em último lugar. Havia vinte vagas disponíveis para nove, apenas nove, candidatos. Em outras palavras: a relação, ali, era a de mais de um candidato para cada duas vagas. Até a cachorra Baleia seria aprovada em tais circunstâncias, não tivesse sido assassinada pela fome dos donos, décadas atrás.

É evidente que o sucesso de Severino da Silva equivale aos sonhos de uma noite de verão. Não porque seja analfabeto, ou quase, mas por não dispor dos certificados de conclusão do Ensino Fundamental e Médio, ele jamais conseguiria fazer a matrícula em um curso de Direito, ainda que na Estácio de Sá.

Seja como for, sua aprovação alvoroçou a mídia nacional, deu palanque à oposição e trouxe, mais uma vez, à tona a questão do ensino universitário. Que papel deve ser reservado às instituições privadas de ensino superior? Os muito ingênuos e os falsamente puros são, por princípio, contrários à sua existência. Defendem a tese - indefensável, por inexeqüível - do ensino superior gratuito e de excelência para todos.

A questão que se coloca, porém, é outra: como ampliar no nível necessário o número de universitários? Imaginar que as instituições públicas possam, sozinhas, fazer frente ao aumento da demanda é coisa de quem tem os pés e as mãos em Marte. Isso não ocorre em nenhum lugar do mundo.

O que deve nos preocupar realmente não é o fato de que um analfabeto conseguiu ser aprovado num curso em que há duas vagas para cada candidato. Mas o fato de que há universidades particulares, como a Estácio de Sá, por exemplo, que conseguem a proeza de continuar crescendo, crescendo, tendo, em vários cursos, menos alunos que vagas.

A essa altura, Severino da Silva já deve ter voltado a colocar a mão na massa e esquecido o sonho de ocupar uma cátedra. Fica, no entanto, um desafio para todos nós: o de buscar mecanismos mais eficazes de controle sobre a qualidade das instituições privadas de ensino superior, sem perder de vista que elas (ou parte delas) têm um importante papel a desempenhar.

Milton Flávio é deputado pelo PSDB, presidente da Comissão de Assuntos Internacionais da Assembléia Legislativa de São Paulo e da União dos Parlamentares do Mercosul (UPM)

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