Os parlamentos e o poder da agenda

Opinião
27/04/2007 16:54

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Na Roma republicana existia uma ilusão de democracia, apenas o suficiente para dar à população a impressão de que ela participava do processo de discussão através dos plebiscitos. Na prática estas enormes assembléias da população tinham pouca influência efetiva porque o magistrado que presidia a Assembléia tinha o poder absoluto de designar o objeto do voto, ninguém mais podia falar e só se podia votar sim ou não. A grande maioria dos parlamentos começou assim, ainda hoje há um aspecto importante, um dos elementos essenciais do poder político que é chamado de "poder de agenda", ou seja, a capacidade de definir o que será debatido.

A grande verdade é que nós parlamentares deixamos em grande parte hoje de exercer este "poder de agenda", como seria legítimo que o fizéssemos como representantes da sociedade. Muito da nossa agenda hoje vem da imprensa, das manchetes de jornal, em grande parte por conta das nossas próprias deficiências acabamos nos submetendo a esta agenda discutindo de forma superficial e fragmentária aquilo que está nas manchetes de jornal e apenas durante o tempo em que estão nas primeiras páginas. Debatemos conforme for a primeira página do jornal de amanhã.

O resultado disto é que o debate é superficial, por ser superficial o papel da Assembléia Legislativa é diminuído perante a sociedade e portanto o papel de cada um dos deputados também é diminuído. Assim como é que vamos conseguir promover discussão se não conseguimos reunir um debate sobre uma questão específica com tempo razoável para que de forma séria possamos produzir um resultado de qualidade para a sociedade?

Sem dúvida, aquelas questões que estão nas manchetes são importantes, mas os parlamentares foram eleitos pela sociedade justamente porque ela viu em cada um de nós a capacidade de liderar, de guiar, de encontrar soluções, não porque julgou que seríamos arrastados pelas correntes e torrentes de opinião. Na medida em que os parlamentares se deixam levar pelas premências da mídia abrem mão de seu "poder de agenda" e, por se sentirem fracos cortejam a imprensa através de jogos de cenas diversos.

Não tenho dúvidas de que uma parte ponderável desta situação de fragilidade na qual a Assembléia Legislativa se encontra é responsabilidade dos próprios parlamentares. Não sei e nem estou muito preocupado como isto começou, sei que quando cheguei à Assembléia " e já estou no terceiro mandato " já era assim e foi piorando. Enquanto subsistir os "pacotes natalinos" nos quais cada deputado indica um projeto para ser aprovado e aprova-se tudo sem nem saber direito o que está sendo votado será difícil que o Legislativo Paulista " e diversos outros porque esta é uma prática comum " consiga oferecer uma proposta efetiva de políticas públicas de qualidade nos vários setores.

Não acredito em apontar problemas sem apontar soluções. As soluções que vejo podem até não ser as melhores e estou certo que qualquer um dos outros 93 deputados estaduais e centenas de lideranças da sociedade civil poderiam acrescentar outros aspectos relevantes a estas propostas. Mas é a partir de uma proposta concreta e delimitada que se pode fazer a discussão avançar, como sabem todos aqueles que trabalham em equipe, é neste espírito de iniciar o debate em torno de algo objetivo que vislumbro alguns caminhos alternativos.

O Parlamento tem seu tempo de maturação das idéias, até pela sua própria natureza plural, sua necessidade de transformar a diversidade de opiniões em uma síntese o mais consensual possível de visões políticas, sociais e econômicas distintas. Não refuto em momento nenhum esta necessidade e lamento a pouca capacidade da imprensa de compreender esta necessidade de maturação.

Porém este tipo de debate não é o que se faz no plenário debaixo dos holofotes da mídia, não é o que se obtém através das "obstruções vazias" quando a oposição simplesmente tenta impedir ou retardar alguma votação utilizando-se de expedientes regimentais utilizados para outros fins que não os previstos inicialmente. A obstrução tem de ser técnica e visar de alguma forma melhorar a idéia original, não pode ser mero instrumento das disputas políticas, despreocupada dos problemas da sociedade.

Assim de um lado é necessário agilizar o processo de votação, limpar o entulho de diversos "acordões de natal" formados por projetos que em grande parte jamais foram discutidos na Assembléia e foram vetados. Ao mesmo tempo é preciso fortalecer as Comissões Permanentes, que devem ser o espaço qualificado para a discussão especializada daqueles que têm interesse e conhecimento em um determinado tema, que têm seus mecanismos para mais do que apenas propor leis de ocasião possa pensar em profundidade em políticas públicas e definir coletivamente, inclusive com a participação da sociedade civil, uma legislação de qualidade que contribua para a formulação desta política.

Como exemplo de ação bem sucedida utilizando este método cito a "Política Estadual de Resíduos Sólidos", produzida na legislatura anterior por um conjunto de oito deputados, a partir de um debate aprofundado e orientado a partir das questões técnicas e das necessidades políticas, não pelas agendas vindas externamente.

*Rodolfo Costa e Silva, engenheiro sanitarista e advogado, é deputado estadual do PSDB.

alesp