Agronegócio: herança do planejamento

OPINIÃO - Sidney Beraldo*
17/06/2004 16:38

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Dia após dia, o Brasil vem comemorando nos últimos anos recordes

sucessivos na exportação de produtos agropecuários. Nos transformamos nos

maiores exportadores de café, soja e carne bovina. Somos o segundo maior

exportador de frango e camarão e ocupamos lugar de destaque na produção

de algodão, milho e frutas. Graças a esse esforço exportador, o Brasil

começou a produzir superávits comerciais que desequilibraram a balança

comercial a nosso favor. A expectativa é que neste ano de 2004 o Brasil

venda U$ 20 bilhões a mais do que vai comprar.

Mas como sempre no Brasil, poucos se lembram porque alguma coisa

começa a dar certo, ou errado. Parece que tudo acontece por geração

espontânea, de um dia para o outro. Como se na economia e nos negócios as

coisas funcionassem como no futebol, só para usar uma das metáforas tão

caras ao nosso atual presidente da República. Na economia e nos negócios

não basta trocar o técnico e contratar dois ou três craques para que o

time passe a colecionar vitórias. Um ramo econômico só cresce com

planejamento, organização e visão de longo prazo.

O agronegócio brasileiro só está batendo recordes de produção e

exportação porque algumas medidas fundamentais foram tomadas dez anos

atrás. Em primeiro lugar, foi feita a securitização das dívidas dos

agricultores com os bancos. Todos aqueles que estavam endividados e com

os bens penhorados puderam renegociar e alongar suas dívidas, a maioria

com o Banco do Brasil. Com isso, os agricultores voltaram a ter crédito,

puderam pegar empréstimos no banco e retomaram com força aquilo que mais

sabem fazer.

Em segundo lugar, foram abertas linhas de crédito com taxas de juros

baixas e fixas, que iam de 4% ao ano no Pronaf (Programa Nacional de

Agricultura Familiar) a 8,5% ao ano, nos programas tradicionais de crédito

rural. Simultaneamente, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento

Econômico e Social) criou programas de financiamento para compra de

máquinas agrícolas (Modenmaq) e construção de infraestrutura de

armazéns e silos (Modeninfra).

Em terceiro lugar, estabeleceu-se uma carga tributária menor e

diferenciada, com alíquotas de 0% para produtos de exportação, a 7%

para máquinas, insumos e implementos agrícolas.

Em quarto lugar, o campo passou a absorver os resultados das pesquisas

desenvolvidas pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária),

pela Fapesp (Fundação de Pesquisas do Estado de São Paulo) e por outros

institutos. A aplicação dessas pesquisas, nas áreas de inseminação

artificial, de desenvolvimento de sementes e de outros insumos, significou

um salto tecnológico que colocou o Brasil a frente de inúmeros países de

primeiro mundo, que gastam quase U$ 1 bilhão por dia para subsidiar seus

produtos agropecuários. Em São Paulo, por exemplo, a Assembléia

Legislativa aprovou a criação da APTA (Agência Paulista de Tecnologia do

Agronegócio), que agrupou os seis institutos de pesquisa ligados a

Secretaria da Agricultura.

Na pecuária foram sendo tomadas medidas que garantiram ainda mais a

qualidade do rebanho brasileiro. O Brasil, depois de anos e anos de

campanhas de vacinação, foi declarado zona livre da febre aftosa. Ao

mesmo tempo, países da Europa se defrontaram com o flagelo do mal da vaca

louca. Quando isso aconteceu, o rebanho brasileiro acabava de ultrapassar

a Austrália em número de cabeças e estava pronto para se tornar o mais

qualificado para a exportação.

Outras medidas, como a desvalorização cambial, é claro, contribuíram

para aplainar ainda mais esse nosso caminho exportador. Mas, se não

fossem as medidas tomadas dez anos atrás, durante o governo Fernando

Henrique Cardoso, não haveria mercadoria para entregar por mais abertos

que estivessem os mercados internacionais, ou por mais desvalorizado que

fosse o Real. O mérito dessa herança precisa ser creditado a quem é de

direito.

Agora, é o caso de se perguntar: por que medidas semelhantes não são

tomadas para estimular o desenvolvimento de setores industriais urbanos?

É preciso criar linhas de crédito com juros baratos e fixos para os

pequenos e médios industriais. A eles deve ser dado um tratamento

tributário diferenciado para que possam aplicar mais recursos na expansão

da produção e na busca de novos mercados. Nesse sentido, já tramita em

Brasília o projeto que regulamenta o Super Simples para os pequenos e

médios empresários. A aplicação desse projeto, idealizado pelo PSDB de

São Paulo, poderá tirar da informalidade uma série de empreendedores que

sobrevivem a margem das leis fiscais.

O governo do Estado de São Paulo já deu alguns exemplos de como a

redução e a simplificação da carga tributária pode ser benéfica para a

economia. A redução do ICMS sobre o álcool, produtos têxteis e de

artefatos de couro, ao invés de diminuir, provocou o aumento da

arrecadação do imposto sobre esses setores. Também foi aprovado pela

Assembléia Legislativa de São Paulo a criação e a ampliação do Simples

Paulista, que beneficiou mais de 500 mil micro e pequenas empresas que

ficaram isentas ou tiveram redução do ICMS.

E é justamente isso que falta ao Brasil. Um projeto para alavancar as

pequenas e médias empresas para fazer com que o país se torne uma

potência também na área de produtos manufaturados. Mas, mais do que isso,

um projeto desse porte poderá dar emprego e promover a inclusão social de

milhares de marginalizados nos grandes centros urbanos.

*Sidney Beraldo, 53 anos, é empresário do ramo têxtil, deputado pelo PSDB

e presidente da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo

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