VIVA O POVO BRASILEIRO!!!

Arnaldo Jardim*
07/06/2001 14:08

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O que tem em comum um drible do Garrincha, um verso de Drummond, um gol de Pelé, um golpe de esquerda do Guga, uma sinfonia de Villa Lobos, uma ultrapassagem de Ayrton Senna, uma letra do Chico, uma cesta do Oscar, uma canção de Tom Jobim e uma roda de samba na Mangueira? Simplesmente, a alma brasileira: imprevisível, inspirada, harmônica, alegre, generosa e surpreendente. Quem não desvenda seu segredo não compreende o Brasil.

Imagino a dificuldade dos analistas estrangeiros em abordar a reação da população brasileira à crise de energia e ao racionamento que atinge a todos, direta ou indiretamente.

As pesquisas indicam uma insatisfação crescente e os índices de popularidade do governo FHC caíram 19 pontos em trinta dias. Revolução à vista? Multidão nas ruas? Caos? Não, nós estamos no Brasil. A indignação e a revolta têm como resposta o engajamento cívico na solução do problema. Voluntariamente, e antes das medidas punitivas anunciadas pelo governo, houve uma redução de 20% no consumo de energia da população.

O clima não é bom, o placar é adverso, mas tal qual Garrinchas e Pelés, os brasileiros crescem na adversidade, encaram os obstáculos e perseguem o gol com criatividade e imaginação. Comerciantes, industriais, donas de casa, profissionais liberais, estudantes, enfim, do trabalhador mais humilde ao graduado, o povo demonstra que a crise aborrece mas não abate.

Ensaia, à moda de Chico e Tom Jobim, acordes improvisados acompanhados de letras metricamente bem construídas: planeja do banho à troca de equipamentos e cria estratégias que os governantes jamais imaginaram.

Sem entrar no mérito dos desdobramentos da crise de energia - demandam artigos específicos - o fato é que o comportamento do brasileiro revela um espírito de cidadania que, no entanto, deve ser muito bem compreendido para não ensejar conclusões precipitadas.

Não se iluda o presidente Fernando Henrique, pensando tratar-se de uma resposta ao seu apelo cívico; muito menos deve se iludir a oposição, achando tratar-se de uma demonstração organizada, reveladora de condições objetivas para transformações radicais e imediatas.

O povo não está aqui ou acolá. Não é defensor de FHC ou de qualquer representante oposicionista. Os brasileiros são pelo Brasil e, com a disciplina e obstinação de um Sena e de um Guga, querem vencer, mesmo que para isso tenham que passar por sacrifícios e privações. Aqui não funciona o quanto pior melhor e os eventuais acertos não dão crédito eterno a ninguém. Que o digam as oposições em 1998 e Fernando Henrique agora.

Solidário, porém crítico, o brasileiro tem a excentricidade genial de um Villa Lobos e é impossível prever o acorde que sucede ao outro, mas é delicioso apreciar o resultado dos seus processos. Estão aí a mobilização pelas "diretas já" e o impeachment de Collor, episódios inesquecíveis.

Querer, por exemplo, antecipar, a partir da atual conjuntura de desgaste do governo, o que irá acontecer nas eleições de 2002, é um convite a erro certo. Efervescente e dinâmica, a sociedade brasileira está a jogar basquete e não xadrez. E é um jogo de basquete, com Oscar em quadra, onde uma cesta de três pontos, a um segundo do fim, pode mudar o resultado.

O Brasil tal como a Itabira de Drummond é um retrato na parede e dói, como dói. Não a dor dos enfermos, mas a do parto que antecede a vida e como a Mangueira, "vista assim do alto, mais parece um céu no chão".

Para concluir, tomo emprestado o título do livro do bom baiano João Ubaldo Ribeiro: Viva o povo brasileiro!

*Arnaldo Jardim é engenheiro civil e deputado estadual pelo PPS.

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