Agências ao léu

Opinião
18/11/2005 16:26

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As agências reguladoras constituem-se em instrumentos fundamentais no processo de modernização, transparência e busca de eficiência que a reforma do estado brasileiro deveria e deve buscar. Elas foram concebidas, a partir de 1997, em meio à concessão de grande parte dos serviços de natureza pública, com a responsabilidade de regular e fiscalizar de maneira independente, a exemplo do que acontece nos países desenvolvidos.

Neste modelo regulatório, as agências cumpririam o papel de órgãos de Estado e não simplesmente de um governo, conjuntural e que muitas vezes atua sem determinar políticas de longo prazo. O mandato de seus diretores seria, de preferência, não coincidente com o do presidente da República, no sentido de permitir um planejamento mais estratégico para um determinado setor da nossa economia. Pretendia-se, portanto, estabelecer regras que pudessem transcender momentos conjunturais, trazendo a estabilidade necessária para os investidores, além de promover a garantia dos serviços prestados, como a qualidade que deve ser incessantemente buscada.

Esse conceito de agências precisa ser entendido e praticado, por tratar-se de uma mudança cultural, que confronta aqueles que têm uma visão ultrapassada e manipuladora do governo. Uma percepção calcada em um estado extremamente grande, flácido, que permitia todas as séries de abusos. É a visão que, infelizmente, predomina no atual governo.

Logo de início, o presidente Lula manifestou seu descontentamento como que chamou de "uma certa terceirização" de funções de governo, quando aplicando regras de contrato, as agências anunciaram reajustes de preços de alguns serviços públicos. Demonstrou, com isso, um desconhecimento do que eram as atribuições das agências, além de manifestar a vontade de estabelecer um tipo de reestatização.

Não contente, em meio à necessidade de estabelecer normas que garantissem a consolidação das condições gerais de funcionamento das novas entidades, o presidente Lula enviou um projeto de lei que estabelecia essa sua "visão de agências" ao Congresso Nacional, muito sob a inspiração, do então chefe da Casa Civil, o ministro José Dirceu. Esse projeto dorme no Congresso Nacional há anos, ainda bem que dorme, porque poderia comprometer a autonomia operacional das entidades reguladoras.

Pude constatar isso quando, no último Congresso da Associação Brasileira de Agências de Regulação, nenhuma pessoa, nenhuma voz e nenhum representante do governo ousou defender o projeto na sua forma original. Mas, se esse mal maior foi evitado outros entraves foram adotados no sentido de comprometer o pleno funcionamento das agências.

Primeiramente, bombardeando a sua autonomia financeira, por meio do contingenciamento sistemático de recursos, fazendo com que as agências sejam mais vulneráveis às pressões de diferentes setores, particularmente, de setores governamentais.

Por outro lado, a ausência de uma definição em relação ao quadro funcional das agências também tem minado sua autonomia, do ponto de vista tecnológico e administrativo. Incapaz de consolidar quadros estáveis, o corpo técnico foi esvaziado, impedindo assim uma evolução tecnológica permanente que pudesse acompanhar o dinamismo do mercado.

Além disso, o processo de designação dos novos diretores, marcado pela acentuada conotação política, acabou por se afirmar. Foram vários os casos em que isto ocorreu na ANATEL e na ANP, particularmente, e agora tudo isso pode se acentuar diante de um número grande de cargos vagos que foram se acumulando nas agências, que todos os veículos de comunicação tem destacado, tem sido objeto de desejo e de negociação política com os diferentes partidos.

Aí está mais um desserviço que está sendo prestado pela atual administração. Ao invés de consolidar a autonomia das agências, se fez o contrário, trazendo uma perigosa instabilidade do ponto de vista político e de regras para setores estratégicos da economia.

Não sou daqueles que acham que tudo está perfeito no reino das agências. Temos agências que não têm uma visão de descentralização, que simplesmente e candidamente se submeteram a essas pressões políticas, além de regras que precisam ser mais bem detalhadas, portarias que tem sido editadas sem a necessária divulgação e transparência.

O fortalecimento deste conceito de agências não deve ser exclusivo das próprias agências, pois significa uma revisão da própria visão que o Poder Legislativo tem sobre elas e da relação que guarda com as agências. Significa, também, uma desnecessária adequação do Poder Judiciário para criar Varas especializadas, que possam agilizar o julgamento de questões atinentes ao sistema de concessão e de regulação em nosso País e em cada um dos Estados. De qualquer forma, se é uma cultura ainda por si delinear definitivamente, é um aspecto decidido em um novo Estado Democrático, a serviço do cidadão. Não há dúvidas de que esse é o rumo, é o caminho a ser trilhado.

*Arnaldo Jardim é engenheiro Civil (Poli/USP) e deputado estadual. E-mail: arnaldojardim@arnaldojardim.com.br. Site: www.arnaldojardim.com.br.

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