Lições de um "Domingo Ilegal"

OPINIÃO - Romeu Tuma*
23/09/2003 17:00

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A data de 7 de setembro é histórica para os brasileiros, que comemoram a Independência. Neste ano, o dia teve uma conotação diferente. Na tarde deste domingo-feriado, o apresentador Augusto "Gugu" Liberato exibiu um espetáculo de terror. Em busca de preciosos pontos de audiência, colocou no ar dois pseudo-artistas interpretando os lamentáveis e desonrosos papéis de "integrantes do PCC", uma facção criminosa que tenta se impor à sociedade pelo medo, violência e pelo sangue derramado.

Para piorar a situação, a encenação tentava dar um ar de verdade à farsa, fazendo de conta que se tratava de uma reportagem, resultado de um trabalho jornalístico. Infelizmente, profissionais se prestaram ao papel de produzir e protagonizar uma farsa medíocre. De tão ridículo, o circo armado por Gugu e seu bando caiu por terra pouco tempo depois. Só que o estrago foi feito antes da farsa ser desmascarada.

Para aumentar a audiência e provocar medo no espectador a armação divulgava uma série de ameaças. Os principais apresentadores de programas policiais da televisão - José Luiz Datena, Marcelo Rezende, Oscar Roberto de Godoy e Milton Neves -, além do padre Marcelo Rossi e do vice-prefeito Hélio Bicudo foram jurados de morte. Pior ainda foi a grande ameaça à população paulista. Os improvisados "artistas" simulavam ser bandidos acima da lei e da ordem. De arma em punho, diziam não ter medo de ninguém. Em segundos, a população em seus lares sentiu-se refém de marginais. A tranqüilidade do domingo à tarde foi substituída pelo sentimento de pânico.

Ao cair por terra a farsa deixou várias lições. A principal delas é que deve haver maior responsabilidade por parte dos detentores dos meios de comunicação social. Aliás, veículos que só podem ir ao ar por meio de uma concessão pública e que jamais poderia ser usada contra a própria população. Bem longe de querer ou permitir que pessoas ou grupos de má fé utilizem o episódio para defender a volta da censura, primamos por um movimento que defenda a ética dos comunicadores, responsáveis pela formação intelectual de crianças e jovens. Muito menos que baixar atos, proibindo pessoas de falar, precisamos lutar para que falsos profissionais não tomem conta de microfones e câmeras. Deve haver o mínimo de bom senso por parte das emissoras em dar voz a pessoas sem o mínimo de escrúpulos. Ao misturarem entretenimento e jornalismo não oferecem nenhuma das duas coisas e lamentavelmente as misturam, levando mentira e desinformação ao pobre do telespectador.

A decisão da Justiça em proibir a exibição do programa de Liberato no último domingo foi exemplar. Trata-se de medida que reflete o sentimento da sociedade mobilizada contra o espetáculo mentiroso. A polícia fez um excelente trabalho para desvendar a farsa. Os promotores públicos assumiram a defesa dos consumidores ludibriados em seus lares. Nós, deputados, não nos calamos. Por meio da Comissão de Segurança Pública da Assembléia Legislativa de São Paulo, convocamos os responsáveis pelo show de horror para esclarecer aos cidadãos eleitores sobre os motivos da farsa e o porquê de a mentira estar acima da seriedade profissional quando se trata de audiência. Porém, eles - inclusive o apresentador Gugu Liberato - não compareceram e não deram as respostas que a sociedade aguarda. Enquanto isso, vamos buscar formas para evitar que episódios semelhantes se repitam ou que verdadeiros bandidos passem a bancar de vítimas.

*Romeu Tuma é delegado de Classe Especial da Polícia Civil, deputado estadual (PPS) e presidente da Comissão de Segurança Pública da Assembléia Legislativa de São Paulo

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