AXÉ, COMUNIDADES QUILOMBOLAS - OPINIÃO

Renato Simões*
11/07/2001 16:02

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A Assembléia Legislativa de São Paulo derrubou, no dia 29 de junho, o veto do Executivo ao projeto de lei 583/99, de nossa autoria, e no sábado, 07/07, o Diário Oficial do Estado publicou a Lei 10.850. O novo diploma legal possibilitará o reconhecimento de propriedade das áreas ocupadas pelas comunidades quilombolas Nhunguara, Sapatu, André Lopes, Pilões, Maria Rosa, São Pedro, Ivaporundurva e Pedro Cubas, no Vale do Ribeira.

A aprovação deste projeto põe fim a um conflito de leis que impedia a aplicação, no Estado de São Paulo, do disposto no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal. A nova lei soluciona a principal dificuldade, que é a sobreposição das áreas das comunidades com os parques estaduais Intervales e Jacupiranga.

Definidos pela legislação federal como áreas de preservação permanente para assegurar-se sua proteção, os parques estaduais encontram-se submetidos a uma série de limitações de uso. Já a legislação estadual declara essas áreas como inalienáveis e indisponíveis. Ou seja, enquanto permanecessem integrando as regiões de parques, a propriedade das comunidades sobre as terras não poderia ser reconhecida.

Este conflito de leis - que, se por um lado reconhece a propriedade e estabelece o dever de conferir seu título definitivo, por outro declara indisponíveis as áreas e proíbe qualquer forma de utilização de seus recursos naturais - vinha se constituindo um dos grandes obstáculos enfrentados pelas comunidades que reclamavam o legítimo direito à terra.

As limitações de uso dessas terras acarretaram às comunidades quilombolas inúmeros e graves problemas, que chegaram a afetar sua própria sobrevivência. Todos os esforços para solucionar a questão foram no sentido de contemplar os direitos das comunidades quilombolas e a exigência da conservação ambiental.

Temos a convicção de que as comunidades utilizam os recursos naturais de suas terras com muito mais cuidado e rigor do que as exigências impostas pela legislação ambiental, uma vez que usam estes recursos de forma comunitária, visando apenas a sua manutenção e orientados pela convicção de que a conservação desses recursos é garantia de sua própria sobrevivência.

A nova lei, fruto de todo o somatório de lutas dessas comunidades, exclui daqueles parques estaduais as áreas ocupadas pelos remanescentes dos quilombos, de forma a tornar disponível esse patrimônio público e possibilitando, assim, o cumprimento ao disposto no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Ao mesmo tempo, assegura o uso da terra pelas comunidades segundo suas especificidades, já que diversos dispositivos legais, como o artigo 5.º da Lei 4.771, de 15 de setembro de 1965 (Código Florestal), o Decreto 25.341, de 1986 (que estabelece o regulamento dos parques estaduais paulistas) e a Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, não lhes permitia o uso de suas terras, e, muitas vezes, definiam como criminosa sua exploração.

A alteração ao estatuto de proteção legal dessas áreas permite às comunidades o acesso aos recursos naturais de modo sustentado. A razão disso é que sua própria maneira de viver propicia a preservação de seu habitat, propiciando-lhes uma íntima integração com os sistemas naturais locais. Assegura também a preservação da qualidade ambiental das áreas, mantendo-as integradas à Área de Proteção Ambiental (APA), da Serra do Mar.

No caso do Parque Jacupiranga (criado pelo Decreto-lei 145 de 1969), por ser anterior à criação da APA, cuidamos de expressamente determinar sua inclusão nesta área. Vale lembrar que o levantamento dos terrenos pertencentes às comunidades quilombolas estará a cargo do Instituto de Terras do Estado de São Paulo - conforme já o estipula o artigo 8.º do Decreto 41.774/97 - consultando-se a Secretaria do Meio Ambiente, de forma a restar demarcada a sobreposição entre as áreas das comunidades quilombolas e os parques estaduais.

A aprovação do nosso projeto de lei garante às comunidades quilombolas o justo e legítimo reconhecimento de um direito previsto na Constituição de 1988.

*Renato Simões é deputado estadual pelo PT e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de São Paulo.

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