PARA HAVER CIDADANIA É PRECISO HAVER CIDADÃOS - OPINIÃO

Walter Feldman*
20/06/2001 18:29

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"As instituições representativas são de pequeno valor, ou serão mero instrumento da tirania ou intriga, quando a maioria dos eleitores não está suficientemente interessada em seu próprio governo." (Stuart Mill, Considerações sobre o Governo Representativo)

Na capa de uma das primeiras edições do Leviatã, de Hobbes, - talvez o primeiro tratado moderno sobre o Estado - há a ilustração de um monstro cujas escamas, observadas de perto, são pessoas, os cidadãos que constituem o Estado simbolizado pelo dragão. A ilustração sintetiza uma faceta pouco explorada da crise política e institucional que o Brasil vive.

Existe uma demanda na sociedade por uma sociedade política mais ética, mais afinada com os interesses da população, mais transparente. E existe um esforço de boa parte dos políticos em atender esta demanda. Um excelente exemplo foi o apoio unânime dos deputados da Assembléia Legislativa de São Paulo ao fim do voto secreto no parlamento paulista.

Evidente que esta medida não irá sanar todos os problemas, mas também não é apenas uma pequena ação, é uma sinalização que a Assembléia emite à sociedade paulista de seu desejo de se constituir em um parlamento modelo. Que ninguém, porém, se iluda, a medida será inócua a não ser que a sociedade civil se mobilize para acompanhar e registrar as votações.

Sem este controle, a diferença entre voto secreto ou aberto em qualquer parlamento é apenas uma formalidade pois as decisões continuarão sendo conhecidas apenas em círculos restritos. Caso a sociedade não se organize para um acompanhamento sistemático das votações corre-se até o risco do tiro sair pela culatra, ficando a informação restrita aos lobbies e grupos de interesse mais organizados, que terão condições de fazer pressão de forma mais eficiente.

O confronto entre os interesses particularistas e o interesse geral depende da capacidade de organização e mobilização da sociedade. Aos deputados e à Assembléia como instituição cabe garantir os fóruns adequados para que as idéias e forças se digladiem e daí surja o consenso, inclusive, como no caso em questão, fornecendo informações essenciais para o controle social - caso do voto secreto. Mas não haverá cidadania nem democracia participativa sem a mobilização da sociedade civil.

Não quero dizer com estes argumentos que a culpa de se ter maus políticos é da sociedade que não os controla, mas, sem dúvida alguma, a existência de um sistema político sadio não pode prescindir de uma opinião pública ativa e bem informada. A crise do sistema representativo, que é mais ou menos evidente, também é um reflexo da apatia com a qual os eleitores enxergam a política.

Um grande equívoco, cometido muitas vezes, é imaginar que o sistema representativo é algo que se oponha à participação popular. Pelo contrário, os primeiros a pensar nos parlamentos já o fizeram imaginando uma instituição subordinada a dois controles, de um lado, a razão, o conhecimento, de outro, a intensa participação da sociedade civil. Como afirmou Mill, "uma pessoa com uma crença política é uma força social equivalente a de 99 outras pessoas que só têm interesses".

O Leviatã, com seus defeitos e qualidades, com sua força e feiúra, nada mais é senão a somatória das vontades políticas da sociedade. Mas esta somatória é ponderada pelo peso específico da atuação que cada cidadão tem. Sem negar de forma alguma os problemas que existem na política, eles dependem em grande parte da participação da sociedade para serem resolvidos ou atenuados. Sem o controle, o acesso à informação e principalmente o interesse pelo que está acontecendo na política brasileira jamais serão capazes de alcançar um patamar mais elevado que o atual.

* Walter Feldman (PSDB), 47, médico, é presidente da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo.

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