Operação Botox

OPINIÃO - Romeu Tuma Júnior*
03/02/2004 16:40

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O trânsito infernal de São Paulo pode piorar nos próximos dias e provocar um transtorno para milhões de pessoas por causa de bloqueios nas ruas, que cercam o paulistano em ano de eleição para prefeito. As obras interditam, ao mesmo tempo, vias importantes da metrópole e já foram batizadas popularmente como "Operação Botox". A Prefeitura parece dar prioridade às ações de cunho eleitoral ao tentar montar o cenário de um grande canteiro de obras, esquecendo o planejamento viário.

A situação ficará dramática com a volta das férias, período em que o trânsito piora. Não há sistema de rodízio de veículos capaz de evitar o caos programado pela Prefeitura. As autoridades municipais, responsáveis pelo transporte e trânsito, dizem que as obras são urgentes e necessárias ao futuro da cidade, mas não explicam por que elas foram iniciadas ao mesmo tempo - ou estão atrasadas ou adiantadas. No primeiro caso seria negligência; no segundo, precipitação. Em ambos; imprevidência.

O transtorno no fluxo de ônibus e automóveis em pontos estratégicos dos Jardins, da Zona Oeste e do Centro obriga os motoristas a percorrer uma série de desvios, que espalham os congestionamentos pelas ruas e bairros próximos.

Na Zona Sul, a Avenida Faria Lima já está interditada nos cruzamentos com as avenidas Rebouças e Cidade Jardim para as polêmicas obras de passagens subterrâneas. No Centro, há os bloqueios provocados pela construção do corredor de ônibus (nos dois sentidos da 9 de Julho) e pelas reformas de quatro viadutos (Complexo 25 de Março do Parque Dom Pedro, Plínio de Queirós da Praça 14 Bis, ligação da Rio Branco com a Rudge Ramos e Bresser). As obras na Avenida 9 de Julho, por exemplo, se arrastam há meses e prejudicam o trânsito no corredor Norte-Sul. O congestionamento, a qualquer hora do dia, começa perto da Praça Campos de Bagatelle, ainda na Zona Norte, e vai até a Avenida 23 de Maio, já que o motorista não pode chegar à Zona Sul pela Avenida 9 de Julho.

Se depender da Prefeitura, o que é difícil ficará insuportável. Uma das alternativas à Tiradentes, para quem vai da Zona Norte ao Centro, seria pelas avenidas Rudge e Rio Branco. Parece inacreditável, mas a Prefeitura pensa em interditar completamente o viaduto que liga as duas avenidas! Há quase um ano, os motoristas trafegam em meia-pista. Agora, as pistas podem ser bloqueadas nos dois sentidos.

Outro exemplo da falta de planejamento que provoca problemas aos paulistanos são as interdições da Avenida do Estado e vias próximas por conta das obras do Paulistão, antigo Fura-Fila. O trânsito no Cambuci e no Ipiranga ficou comprometido, complicando mais a já precária ligação com São Caetano do Sul. Ali, as obras estão paralisadas e não se sabe quando as ruas da região voltarão ao normal.

Enquanto o poder público municipal fica investindo nestas perfumarias, o estadual se esquece do compromisso de construir o Rodoanel, a grande via que ligaria as principais rodovias do país em volta da Capital. Finalizada a primeira fase do empreendimento, os resultados ainda são pífios, já que não foi feita a ligação mais importante, entre as rodovias Dutra e Régis Bittencourt. Este seria um trecho que retiraria o pesado tráfego de caminhões de Norte a Sul do país das marginais Pinheiros e Tietê, que acabam no Centro da cidade.

Não é possível que as soluções viárias e urbanísticas fiquem dependentes de interesses eleitorais e obras essenciais ao futuro da cidade sejam adiadas em favor de iniciativas caras, complicadas e de eficácia discutível. No caso do Rodoanel, como o atual governador só deverá disputar outro cargo em 2006, talvez em dois anos se volte a falar do término do projeto.

Não podemos aceitar que os interesses eleitorais prejudiquem os paulistanos, que já gastam horas demais em ônibus, lotações e carros no trajeto entre a casa, o trabalho e a escola. Um transtorno enorme para que algumas autoridades tentem ganhar uma eleição, não importando a paciência e o tempo perdidos pelos habitantes desta sofrida São Paulo. Os moradores da cidade bem que mereciam mais do que um Botox indecoroso.

*Romeu Tuma Júnior é delegado de Classe Especial da Polícia Civil, deputado estadual (PPS/SP) e presidente da Comissão de Segurança Pública da Assembléia Legislativa de São Paulo

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