Esta conta não vai fechar!

OPINIÃO - Arnaldo Jardim
29/01/2004 16:44

Compartilhar:


Ao longo desse período de acompanhamento da política econômica do governo Lula, temos buscado estabelecer nossa análise e formar opinião baseando-se em duas questões: primeiro, solidários à preocupação no início do mandato do atual presidente de refrear a especulação e a instabilidade, o que foi feito.

Depois, passamos a reivindicar - com toda a sociedade - que o governo estabelecesse o caminho da retomada do desenvolvimento econômico. Diminuir os juros e acionar uma série de outros instrumentos seriam indicativos desta disposição, mas isso ainda não foi feito. Sob esse aspecto, foram tomadas algumas medidas, adotadas tardiamente e, quando realizadas, o foram em pequena escala. Se é verdade que os juros recuaram de 25,5% para 16,5% em um ano, também é fato que o Brasil detém uma das taxas mais altas do planeta.

Estamos pagando um preço alto por isso. Em 2003, o desemprego na região metropolitana de São Paulo chegou a 19,9% - o maior patamar registrado desde o início da pesquisa, em 1985, realizada pela Fundação Seade/Dieese. Sinais não faltam de que o crescimento econômico tão desejado por todos está mais distante do que deveria. A renda do trabalhador, em 2003, caiu 6,4%, ou seja, um recuo pelo sexto ano consecutivo, refletindo o empobrecimento do País. Assim, a retomada torna-se mais difícil.

Reconhecemos a diminuição do volume de títulos cambiais, que contribuiu para a amainar nossa vulnerabilidade externa, mas não podemos deixar de manifestar nossa preocupação diante da atuação - tímida - do governo para evitar a sobrevalorização do real.

O mais importante, porém, é perceber que, pelo modelo atual, se busca sustentar o crescimento - pífio - pelo superávit comercial, o que, por sua vez, só pode ser garantido pela taxa cambial favorável. E essa taxa necessitará de aumento dos juros para ser assegurada, o que refreará o desenvolvimento. É o círculo vicioso em ação!

Assim, queremos dar um passo além nessa reflexão política e econômica, diante das possibilidades e dos cenários que temos para o futuro. Queremos lançar uma idéia ousada, diante do que hoje é basicamente a continuidade da política econômica aplicada no governo FHC: o nosso País não terá condições de retomar o crescimento se não reestruturar a dívida pública. Do jeito que está, a conta não fecha!

Defendemos que o governo, a par de uma série de medidas pontuais que devem ser adotadas já, como políticas industriais; de incremento econômico localizado, particularmente nos setores de uso mais intensivo de mão-de-obra; de desenvolvimento científico-tecnológico; definição urgente de questões de infra-estrutura, com normas seguras para o setor elétrico, além de promover um aparato legal que proteja a autonomia das agências reguladoras; faça o fundamental: dedique-se à apresentação de uma proposta consistente de renegociação das dívidas públicas do País, tanto a interna como a externa.

O momento é absolutamente propício a isso. Sob o prisma internacional, nenhuma crise desponta no cenário, fato que impediu tal discussão em outras épocas. Destaque-se ainda que avaliações recentes de diversos organismos e analistas internacionais reconhecem o garroteamento que a dívida exerce em países como o nosso. Também é patente a legitimidade e a conveniência de se adotar medidas de controle de fluxo de capital.

Há um grau de confiabilidade dos agentes financeiros nos dirigentes da política econômica atual, permitindo que essa discussão se estabeleça sem que ocorra tensões ou simplificações sobre o "risco dos contratos". Se tal conduta for adotada, contará com a solidariedade da grande maioria das forças produtivas e políticas do País.

Estamos, assim, propondo que o governo assuma a cuidadosa, mas fundamental, decisão de colocar aos credores a necessidade de rediscutir prazos e condições, com o propósito de aliviar o peso do pagamento da dívida, diminuindo os juros, para que, enfim, possamos retomar o crescimento sustentado. Aí, sim, essa conta vai fechar!

*Arnaldo Jardim é Engenheiro Civil, 48 (Poli-USP), E-mail: arnaldojardim@uol.com.br

alesp