Mandacaru

OPINIÃO - Arnaldo Jardim*
03/04/2003 18:35

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A lendária planta nordestina que a tudo resiste e sobrevive e, mais do que isso, cresce, pode simbolizar a nossa agricultura. Os desatinos dos planos econômicos, a incompreensão dos monetaristas e a abertura indiscriminada e sem contrapartidas de nosso mercado , a tudo resiste nossa agricultura. E mais, cresceu, aumentou a produção e produtividade e lastreou o Plano Real, garantindo superávit primário.

Agora, a política de juros altos adotada pelo Brasil, para atrair capitais estrangeiros - aqueles que secaram - e controlar a inflação, voltou a mostrar sua face perversa na produção. Com os juros altos, o crédito encolhe de tal forma que nem a agricultura , setor que garantiu o saldo positivo na balança comercial brasileira em 2002 de US$ 13 bilhões , conseguiu escapar dessa seca.

Como a maior parte do crédito agrícola, vem de recursos obrigatórios de empréstimos bancários vinculados aos depósitos à vista, cada vez que um banco convence o cliente a transferir dinheiro da conta corrente para outras aplicações, como fundos de renda fixa, diminui ainda mais esses depósitos , que encolhem também cada vez que o Copom (Conselho de Política Monetária) resolve aumentar o recolhimento do compulsório dos depósitos à vista, que passou de 45% para 60%.

Dos R$ 17,9 bilhões emprestados a produtores e cooperativas em 2001, 59% eram originários desses recursos. Dessa forma, os R$ 48 bilhões previstos para o crédito da safra deste ano ficaram reduzidos a míseros R$ 16,6 bilhões. Pode parecer muito dinheiro, mas para o produtor rural, que precisa comprar fertilizantes e defensivos com preços atrelados ao dólar, já que boa parte é importado, o rombo é dolorido. Na ponta do lápis, os grandes produtores, que podem pleitear recursos acima de R$ 300 mil, serão os mais prejudicados, pois 88,5% dos contratos tinham como fonte a obrigatoriedade dos empréstimos bancários.

Chega a ser irônico prejudicar um setor produtivo de tal importância no momento em que as negociações para a abertura do comércio mundial de produtos agrícolas estancou, porque os países ricos não mostram nenhuma disposição de reduzir seus subsídios às exportações, nem suas barreiras comerciais.

Pena maior porque a nossa vocação produtiva chega a dar inveja no caso de muitos produtos. O Brasil começa a colher uma safra recorde de grãos - soja, milho, trigo, entre outros -, estimada em 112,4 milhões de toneladas, segundo o terceiro levantamento da Conab , Companhia Nacional de Abastecimento. A qualidade da soja brasileira, com teor de proteína superior ao de outros países exportadores, é, por si só, motivo de orgulho. Especialmente agora, diante da perspectiva de o Brasil suplantar os Estados Unidos no ranking de maior exportador mundial do complexo soja (grão, farelo e óleo), com receita estimada em US$ 7,9 bilhões , 900 milhões a mais que os concorrentes. Além disso, o país tem boas perspectivas quanto à cana, usada para produzir açúcar e álcool, e à laranja, transformada em suco e exportada principalmente para os mercados europeus.

Com a ampliação do crédito bancário, produzir seria mais fácil. No entanto, as torneiras mais fechadas aumentam a dependência dos produtores rurais em relação aos empréstimos concedidos pela agroindústria, cada vez mais exigente. É hora de o governo federal arregaçar as mangas para evitar que esta escassez de crédito chegue à safra 03/04, a ser plantada em setembro, interrompendo o bom desempenho da nossa agropecuária, observado nos últimos anos.



*Arnaldo Jardim, 47, é engenheiro civil, foi secretário da Habitação (1993) e relator geral do Fórum SP Séc. XXI .

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