A CPI ESTADUAL E O COMBATE AO NARCOTRÁFICO - OPINIÃO

Renato Simões*
05/12/2000 16:12

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A CPI do Narcotráfico da Assembléia Legislativa foi instalada em fevereiro deste ano e concentrou seus trabalhos em quatro temas prioritários: rotas aéreas, rotas terrestres, porto de Santos e fuga de traficantes. O objetivo era chegar a um diagnóstico da ação das instituições que devem fazer o combate permanente ao tráfico de drogas no Estado, já que a CPI partia do princípio que não era seu papel substituir as polícias, o Ministério Público e o Poder Judiciário, nas funções que lhes são próprias.

Partimos também da constatação de que não podemos chamar de combate ao narcotráfico a ação policial voltada para o varejo do comércio da droga, que hoje entulha as prisões do Estado com micro e pequenos traficantes enquanto o grande tráfico, os fornecedores de armas e meios para transporte, e as instituições financeiras e empresas que servem à lavagem do dinheiro da droga, permanecem impunes.

Neste sentido, os quatro temas prioritários nos permitiram chegar mais perto do mercado atacadista da droga e, conseqüentemente, do grande traficante, que deveria ser o grande objeto das investigações policiais e da definição de uma política coerente e eficaz de combate ao narcotráfico.

Estamos prestes a finalizar os nossos trabalhos; no entanto, já dá para afirmar que existe um total descontrole do território paulista por parte das autoridades federais e estaduais que deveriam zelar pelo combate ao crime. Mais de 400 pistas clandestinas foram mapeadas pela nossa relatoria em todo o Estado, um verdadeiro tapete para as pequenas aeronaves que trazem a droga do exterior e dos Estados do Norte e Centro-Oeste. O caso de Atibaia ganhou repercussão nacional: foi o desmonte de uma das maiores quadrilhas de transporte aéreo de drogas do país, que se transformou num exemplo didático da ação dos grandes traficantes.

A falta de sintonia dos órgãos federais (Polícia e Receita Federal) com os estaduais (Polícias Civil e Militar) ficou clara na investigação sobre os aeroportos internacionais de Viracopos e Cumbica e sobre o porto de Santos. A enorme movimentação de passageiros e, principalmente, de cargas nesses pontos de entrada e saída do país, permite que o tráfico utilize a fragilidade da fiscalização para utilizá-los como entrepostos da droga, como pudemos mostrar nas investigações sobre a Máfia Nigeriana no aeroporto de Cumbica e sobre o porto de Santos. Em Viracopos não há registro de apreensão de drogas há anos, e o efetivo da Receita Federal e da Polícia Federal é mínimo e precário. Estamos convictos de que o sistema prisional de São Paulo é facilmente burlado pelos médios e grandes traficantes, que continuam tocando seus negócios de dentro de cadeias e penitenciárias enquanto a indústria de fugas não os retira para a rua. Por fim, as propostas que a CPI apresentou para enfrentar esses problemas devem se transformar num roteiro extremamente importante para repensar a ação das autoridades de São Paulo nos próximos anos, seja as do Executivo, do Judiciário e do Ministério Público, seja as do próprio Legislativo, que deverá apreciar projetos de lei e sugestões aprovadas pela CPI.

Tivemos lucidez para entender que CPIs desta natureza devem cumprir com as suas tarefas institucionais de fiscalizar, denunciar, apresentar alternativas, impulsionar mudanças em defesa da sociedade. Neste sentido, os resultados serão sentidos pela sociedade à medida que suas propostas e linhas de trabalho forem assumidas e implementadas pelos Poderes que têm essa responsabilidade permanente. E o Legislativo estará aqui para cobrar esses resultados e acompanhar o desenrolar das ações por ele propostas.

Como primeiro aproveitamento prático do diagnóstico feito pela CPI estadual, queremos que a Campanha da Fraternidade do ano que vem, que vai discutir o combate às drogas, aproveite, em muito, os nossos trabalhos em São Paulo. Estamos inclusive encaminhando à coordenação da Campanha, à CNBB, aos bispos das dioceses paulistas e aos interessados que solicitarem, cópias do relatório final da CPI paulista, como uma contribuição para o VER e o AGIR da Campanha. É claro que a Campanha da Fraternidade não se restringe aos temas abordados pela CPI, mas o diagnóstico feito nos permite contextualizar o problema da droga com outros temas econômicos e políticos que também são preocupações da Igreja. Por exemplo, a discussão sobre a desregulamentação econômica e as privatizações, com o descontrole dos capitais financeiros e a fragilidade dos órgãos do Estado encarregados do combate ao tráfico de drogas. Assim, acreditamos que a CPI e nosso mandato estão habilitados a colaborar com o debate nacional proposto pela Campanha da Fraternidade de 2001 e a buscar pistas de atuação que possam auxiliar toda a sociedade, perplexa com o aumento da influência do tráfico sobre a juventude e sobre as instituições econômicas e políticas do país.

*Renato Simões é deputado estadual pelo PT e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa.

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