O RECADO DA SOCIEDADE - OPINIÃO

Duarte Nogueira*
28/08/2001 09:20

Compartilhar:


São necessários anos e, às vezes, décadas para que aconteça uma mudança de comportamento da sociedade. Esse é um fenômeno lento, que depende de fatores históricos, do envolvimento de setores sociais, até que, finalmente, a maioria dos cidadãos acaba se convencendo de que os valores são outros, e os incorpora. Li um artigo sobre uma pesquisa do Instituto Vox Populi no qual se apontava uma ligeira mudança de atitude no eleitorado brasileiro, mais crítico do que uma década atrás.

Pela pesquisa, 87% dos eleitores julgam ser "muito importante" um candidato ter um plano de governo claro e definido. Em outro item, preferem um governante administrador a um político. O recado da pesquisa é bastante claro.

O eleitor brasileiro incorporou a consciência de que não há candidatos "milagreiros", mas que as situações de crise só podem ser enfrentadas por quem tem um planejamento claro e definido de ações administrativas. O cidadão passou a perceber que a direção da máquina pública é igual à de sua casa: só se gasta o que se ganha e só se compra ou se constrói quando é possível pagar por isso.

Esse comportamento crítico do eleitorado traz subjacente o amadurecimento democrático. O impeachment do presidente Fernando Collor foi o início do processo de enraizamento da democracia, que se estende hoje à cassação do senador Luiz Estevão, às renúncias dos senadores José Roberto Arruda e Antônio Carlos Magalhães e às denúncias e investigações envolvendo nomes conhecidos e que rotineiramente aparecem nas cédulas eleitorais.

Aplico também essa mudança de comportamento do eleitorado à reeleição do governador Mário Covas, em 98. Covas começou a campanha prejudicado pelo ônus das medidas de ajuste fiscal que teve de tomar para equilibrar as finanças do Estado. Foi para o segundo turno, o que obrigou o eleitorado a se definir entre o administrador sério e o político da safra do "rouba, mas faz".

O segundo turno de 98 foi um momento histórico e a reeleição do governador Covas emblemática. Trazia embutido o sentimento de um eleitorado mais crítico, daquele que ouve promessas mas que, na hora do vamos ver, elege aquele que tem condições de cumprir o plano de governo que apresentou à sociedade. O eleitor percebeu que quem não rouba, faz mais e melhor.

Ao preferir o administrador ao político, o eleitor também opta por aquele que sabe se comunicar com a sociedade. E comunicação no sentido de interação e não de demagogia. Existe uma distância relativamente grande entre esses dois aspectos.

No primeiro, o governante está próximo da sociedade para discutir com ela a melhor solução dos seus problemas, esclarecer até onde a ação administrativa é capaz de chegar e o que pode ser feito. Covas era sensível a essa mudança e costumava dizer que, para o eleitor, "mais vale um não explicado do que um sim que não se pode cumprir".

No segundo aspecto, porém, o político já chega com respostas prontas, padrões, e semeia a ilusão de que irá resolver o problema em um passe de mágica. Felizmente, o eleitor hoje sabe bem escolher. Cansou de ser decepcionado. É uma grande mudança, que precisou de anos e muitas eleições até ser incorporada.

*Duarte Nogueira é engenheiro agrônomo, líder do governo na Assembléia Legislativa e vice-presidente do PSDB de São Paulo

alesp