A Abin e o Lulagate

OPINIÃO - *Edson Aparecido
29/10/2003 19:21

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Um retrato perfeito do submundo da espionagem foi traçado pelo escritor inglês, de origem polonesa, Joseph Conrad, no livro "O Agente Secreto". A sordidez com a qual ele pintou os personagens envolvidos na história, em especial o agente duplo Verloc, foi muito criticada por intelectuais de esquerda na sua época, mas se tornariam imagens cândidas perto das ignominiosas ações da NKVD na União Soviética, sob o comando de Béria.

Estas duas imagens, a do atrapalhado Verloc e a do sádico Béria vem à tona no caminho dos últimos acontecimentos envolvendo espionagem e contra-espionagem partidária ou governamental.

Há alguns dias altas lideranças, incluindo o presidente da República, do governo e pessoas ligadas a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) fizeram alguns movimentos públicos reivindicando mais recursos e menos controle. Um deles, Athos Irigaray, secretário de Planejamento e Coordenação da Agência, chegou a dizer, como noticiou a imprensa, que a agência era ineficiente por ter de "agir dentro dos parâmetros legais".

Os planos incluem a liberdade de ação para violar a lei, fazer escutas não só telefônicas como ambientais sem autorização judicial, bisbilhotar e-mails, checar declarações de renda. Tudo isto com a vantagem de garantir a impunidade e a imputabilidade dos agentes que façam estes serviços.

O álibi para estas demandas, que levariam o PT às ruas denunciando a volta da ditadura se fosse de outro partido o governante, é o argumento falacioso de que os países desenvolvidos dão estas isenções constitucionais a seus serviços de inteligência. Parece que os especialistas em inteligência brasileiros desconhecem fatos que podem ser obtidos em qualquer jornal, como o fato da CIA - equivalente americano da Abin - sequer poder atuar em território americano, ou de que há países que respeitam as suas Constituições e os direitos fundamentais dos cidadãos à privacidade.

Como o Brasil não está nem tem planos para estar em guerra, não é alvo de terroristas, não tem inimigos internos nem externos, é um regime democrático e a função de controlar o crime organizado pertence ás polícias Civil, Militar e Federal, toda a cerimônia destinada a expor os planos de expansão da Abin soaram fora de pauta.

O movimento para permitir a Abin extrapolar as fronteiras da legalidade só pode ser totalmente compreendido com a reportagem da Revista Veja publicada neste domingo. Complementando a mensagem anterior, a descrição dos métodos utilizados pelo PT e pela CUT para blindar seu candidato e intimidar os demais demonstra o que o partido pode fazer com uma Abin fora da lei.

É especialmente preocupante a tendência do PT em confundir governo e partido em um momento no qual o primeiro reivindica o poder de espionar enquanto o segundo demonstra o que pode fazer com este poder. Certamente não faltarão quadros do PT para ocupar funções nesta super-Abin que se deseja criar e, neste caso específico, ninguém poderá reclamar de Lula por nomear pessoas sem experiência e qualificação para cargos técnicos, porque a reportagem da Veja demonstra o quanto o partido do presidente tem gente especializada neste tipo de serviço.

Resta saber se a democracia precisa deste tipo de experiência, se há espaço na democracia para estes bérias tupiniquins. O mundo civilizado não tem necessitado deste tipo de instrumento e o PT certamente pode dispensar-se de ter em sua história a mácula de ao mesmo tempo defender os direitos humanos dos transgressores da lei e pregar a violação dos direitos dos cidadãos comuns.

A maior demonstração das trapalhadas está no fato de que o PT quer dar mais poder a Abin introduzindo mudanças em um ponto da Constituição que não pode ser mudado. A garantia dos direitos individuais é Cláusula Pétrea da Constituição, não podendo ser alterada por emenda constitucional e muito menos por decreto. Assim se a Abin deseja fazer mais pesquisas deveria começar fazendo o exercício de pesquisar a Constituição. Em todo caso, a sociedade precisa estar vigilante para movimentos neste sentido.

*Edson Aparecido é deputado estadual, presidente do Diretório Municipal do PSDB de São Paulo e membro da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de São Paulo

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