Crime organizado tira proveito de disputas entre Poderes

OPINIÃO - Romeu Tuma*
28/04/2003 15:49

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Ao defender o controle externo do Judiciário para saber "como funciona a caixa-preta" de um Poder que "muitas vezes se sente intocável", o presidente Luiz Inácio Lula da Silva abriu uma crise entre o Executivo e o Judiciário. É justamente em crises como essa que o crime organizado aposta para crescer, dentro de sua estratégia de dividir os Poderes constituídos. Enquanto discussões mal interpretadas ou mal colocadas ganham espaço, as instituições criminosas avançam, usando a velha tática de guerra de dividir para conquistar. Ao se enfrentarem, o Executivo e o Judiciário deixam uma brecha muito grande para que os criminosos possam agir.

Já se tornou comum neste país a aprovação de leis sob o clima de convulsão social, mas que acabam sem as mínimas condições de aplicabilidade. Temos, por exemplo, uma lei sobre crime organizado que não define nem o que é formação de quadrilhas. Por isso, em vez desses debates evasivos, seria fundamental encontrar caminhos efetivos, com leis curtas e grossas, que punam os criminosos e permitam colocar na cadeia os responsáveis pelo crime organizado, justamente aqueles que detêm a rede empresarial do crime.

O crime organizado vai imperar enquanto não houver uma legislação que ataque os bolsos desses indivíduos, que hoje são presos e rapidamente soltos. No tráfico, as apreensões de drogas são feitas, mas, em pouco tempo, mais e mais entorpecentes são produzidos e repostos no mercado. É necessário arrancar os bens desses indivíduos, tudo aquilo que foi conquistado através da criminalidade. É preciso quebrar o caixa das instituições criminosas de uma vez por todas. Se não se fizer isso efetivamente, vamos ficar assistindo de camarote à expansão da criminalidade diante dessas discussões menores, em que os Poderes atacam-se mutuamente.

Os Poderes não podem se enfrentar. A forma como o Executivo e o Judiciário vêm agindo nos últimos dias deixa vazios que podem, em alguns casos, até permitir até que criminosos comuns, além daqueles que pertencem às instituições organizadas, se infiltrem nos Poderes legitimamente constituídos. Aliás, vale ressaltar que o crime organizado só existe porque seus integrantes conseguem se estabelecer em importantes funções do Legislativo, do Executivo e do Judiciário e em diferentes esferas da sociedade. Exemplos não faltam em nossa história recente.

Já é hora de fazermos o mea culpa. Não se resolve esse grave problema sem se atacar as causas da violência. Só se combatem os efeitos. Não se pode culpar somente o Poder Judiciário, pois este cumpre as leis advindas do Legislativo e Executivo. Mazelas existem em todas as instituições.

Culpar qualquer um dos Poderes isoladamente é, no mínimo, tentar justificar nossa própria incompetência em resolver os problemas que atingem cada um de nós. Devemos responder às grandes contradições que nos cercam. Queremos aumento de penas? Queremos punir os meros infratores? Queremos punir os traficantes? Queremos aumentar os benefícios para os criminosos ou criar mais vagas no sistema prisional? Queremos descriminalizar o uso de entorpecentes?

Pode ser que demore mais um pouco, mas precisamos encontrar o caminho definitivo para que a regra volte a ser a regra e a exceção, a exceção. Certamente, isso só será possível com o absoluto entrosamento entre os Poderes, que, por obrigação, devem defender e servir a sociedade e o interesse público acima de quaisquer outros.

Vamos continuar nesses ataques mútuos ou vamos agir de uma vez por todas? Enquanto não decidimos isso, podem ter certeza: o crime organizado avança a passos largos.

*Romeu Tuma é delegado de classe especial da Polícia Civil e

deputado pelo PPS.

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