Comunidades estrangeiras discutem futuro de São Paulo


08/11/2002 21:12

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DA REDAÇÃO

As comunidades estrangeiras ocuparam hoje o espaço aberto pela Assembléia Legislativa para intervir nas discussões sobre o futuro do Estado e do país. Temas importantes como segurança, educação e globalização econômica foram debatidos no fórum "Pensar e Construir o Século 21 em São Paulo", em seis painéis sob coordenação e relatoria de representantes de comunidades estrangeiras. O evento foi realizado nesta sexta-feira, 8/11, e organizado pelo Conselho Estadual Parlamentar das Comunidades de Raízes e Culturas Estrangeiras (Conscre), órgão autônomo criado pelo Parlamento paulista em novembro do ano passado.

"Precisamos discutir os interesses além de nossas comunidades, abrangendo o futuro de São Paulo", destacou o presidente do Conscre, Thomas Choi, na abertura do seminário, que contou com a participação de cônsules de sete países e diversos representantes de entidades ligadas a imigrantes.

"O século 21 abre a oportunidade de substituir a cultura do século passado, em preto e branco, por uma aquarela cultural da qual o Brasil é exemplo", destacou o vice-presidente do Conscre e coordenador do fórum, Alberto Milkewitz, representante da comunidade judaica.

A disposição brasileira de integrar raças e culturas heterogêneas democraticamente, sem perda da identidade, foi apontada por Milkewitz e tomada como mote pelo presidente da Assembléia, Walter Feldman, que as relacionou às recentes eleições presidenciais. "Elas mostraram que, numa sociedade democrática, qualquer cidadão pode ser dirigente", ele afirmou, acrescentando que o PSDB fará "uma oposição paz e amor".

Lei e arte

Antes da realização dos painéis, os participantes assistiram às palestras do empresário Manoel Pires da Costa, presidente da Fundação Bienal, e do deputado Renato Simões (PT).

"O convívio das diferentes culturas no século 21 depende do entendimento de como chegamos ao ponto em que estamos hoje", avaliou Pires da Costa. Para ele, a arte tem papel fundamental nesse processo: "Ela nos ensina a tolerar melhor a nós mesmos e a ter mais complacência com os outros", disse.

O mosaico cultural característico da sociedade brasileira, que pode ser descoberto com mais profundidade pela arte e que amorteceu alguns efeitos da globalização, segundo Pires da Costa, criou "um território livre em que diversas culturas se encontraram para fazer a paz".

"Território Livre", aliás, é o tema da próxima Bienal de Arte de São Paulo, que se realizará no final do ano que vem. O cartaz do evento, criado por Ziraldo, mostra pequenos retângulos de cores diferentes, símbolos dos 143 DNA's encontrados na composição dos povos que hoje convivem no Estado de São Paulo.

Uma convivência que precisa ainda superar uma barreira legal, na opinião de Renato Simões: o Estatuto dos Estrangeiros, que ele considera "ultrapassado e inconstitucional, parte do entulho autoritário ainda não removido".

Elaborado há mais de 20 anos, na época em que o Brasil se guiava pela doutrina de segurança nacional e o mundo ainda vivia à sombra da guerra fria, o estatuto entrou em descompasso com a Constituição de 1988 e os tratados internacionais ratificados pelo Brasil. "O estrangeiro é tratado como uma questão de segurança nacional, sob a alçada da Polícia Federal", disse Simões.

Para que uma nova legislação incorpore as mudanças necessárias, é preciso a manifestação institucional das comunidades estrangeiras, com a adoção de "uma postura solidária de quem sabe o que é ser estrangeiro".



Painéis abordam juventude, terceira idade, globalização e segurança

Em seis painéis simultâneos, foram discutidos temas atuais que tocam as comunidades estrangeiras e nacional. Grupos de participantes do fórum dividiram-se para acompanhar as exposições e reuniram-se ao final do evento para apresentar seus relatórios.

O tema "Integração da juventude na sua comunidade e na sociedade" foi discutido entre representantes das juventudes das comunidades italiana, húngara, japonesa, chinesa, coreana, árabe e judaica, o representante da Secretaria estadual da Juventude, Esporte e Lazer, Eduardo Odloak, e coordenado por Sérgio Serber, representante da comunidade judaica. Foi feito um balanço da situação dos jovens em São Paulo, no Brasil e no mundo, particularmente no tocante a sua inserção no mercado de trabalho e no processo educacional, bem como o crescimento da violência entre os jovens. Os representantes das comunidades trocaram experiências e expressaram anseios dos diversos grupos étnicos, culturais e religiosos e proposeram a criação de um grupo de trabalho para reforçar a elaboração das culturas estrangeiras e sua convivência harmoniosa com as demais culturas.

As expositoras Iara Areias Prado e Roseli Fischman, do painel "Educação para a diversidade cultural", expuseram o resultado de um trabalho, publicado em livro, que trata a diversidade étnica como referência curricular do Ministério da Educação. A perspectiva das expositoras é compreender como a cultura escolar pode conviver com as diferenças étnicas e sócio-econômicas.

"Terceira e quarta idade no século XXI" teve a colaboração das expositoras Elvira da Conceição Abreu Mello Wagner e Sila Zugman Calderoni. Quem coordenou este painel foi Lúcia Gelman, e entre as propostas formuladas pelo grupo de participantes destacam-se a criação de grupos e espaços de convivência; a formação de grupos intercomunitários; o trabalho em rede entre as diversas comunidades; a utilização da mídia para modificar o conceito negativo que recai sobre os idosos; e a conscientização dos órgãos públicos para prestar apoio e assistência aos idosos de baixa renda.

O painel "Ação social para uma sociedade brasileira mais justa" contou com a experiência do padre Rosalvino, coodenador da Obra Social Dom Bosco e responsável por um trabalho voltado para crianças, jovens e didosos da zona leste há mais de 20 anos. Luiza Carlos Merege, da Fundação Getúlio Vargas falou sobre o papel e da responsabilidade das organizações não-governamentais para transformar o Brasil em país mais justo.

Os diretores do Instituto Italiano de Comércio, Andre Ambra, e da Câmara de Comércio Brasil-Alemanha, Ingo Plöger, relataram as experiências das economias de seus países nas últimas décadas e analisaram como a globalização atua na vida cotidiana dos cidadãos comuns, no painel "Economia e globalização: valores econômicos e valores humanos".

Convidados para abordar o assunto "Segurança: aspectos policiais e atuação comunitária", o senador Romeu Tuma e o vereador William Woo reforçaram a o diagnóstico da necessidade de modernização das polícias e do incremento da inteligência. Defenderam também o aprimoramento das lei penais e da efetiva participação comunitária na solução das questões de segurança, a exemplo dos conseg's.

Ao final da apresentação dos relatórios, o representante da comunidade italiana Cláudio Pieroni disse que todos os temas tratados no fórum deve ser aprofundados nas atividades do Conscre de 2003, na expectativa de que as reflexões transformem-se em propostas concretas para a sociedade do século XXI.

O Conscre

O Conscre foi criado em novembro do ano passado, com a aprovação de projeto de lei apresentado pela Mesa Diretora da Assembléia Legislativa. A entidade tem caráter permanente e deliberativo. Seu objetivo é promover a integração das comunidades estrangeiras radicadas no território paulista e possibilitar a inserção dos imigrantes e descendentes no contexto político-social.

Presidido pelo representante da Coréia do Sul, Thomas Choi, o Conselho conta com a participação de vinte comunidades. Quinze delas doaram obras de arte para o acervo do Memorial do Conscre, instalado no segundo andar do Palácio 9 de Julho. Além de eventos que permitem a atuação dessas comunidades na discussão político-social, como o seminário realizado hoje, o Conscre promove também encontros culturais, como o Festival de Cantos e Danças realizado em julho passado.

alesp