GOVERNADOR INFRATOR - OPINIÃO

Renato Simões*
24/08/2001 16:31

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Para um partido parlamentarista, o PSDB no governo do Estado tem se mostrado absolutamente autoritário na sua relação com o Parlamento. Apesar de ter como prática convidar deputados estaduais para chefiar a sua Casa Civil é de se lastimar a forma como as mais elementares obrigações do Executivo para com as legislações emanadas da Assembléia Legislativa são descumpridas - solenemente.

Nem se fale da enxurrada de vetos apostos a projetos de iniciativa parlamentar. São 125 vetos que entulham a Ordem do Dia da Assembléia Legislativa. Até aí, tudo bem. O governo está no seu direito constitucional de sancionar ou vetar projetos de lei aprovados pelo Legislativo. Mas o que causa espécie é a total desfaçatez com que o Executivo paulista descumpre leis aprovadas e sancionadas.

Recentemente, lancei mão de uma campanha pela regulamentação da Lei 10.354, de 25 de agosto de 1999, que trata do respeito aos direitos de assistência a vítimas da violência e de proteção a testemunhas ameaçadas. Foi o instrumento que encontrei para tirar do anonimato uma das poucas leis estaduais ou federais sobre a matéria, que considero relevante diante do caos em que se encontra a política de segurança pública do Estado, incapaz de fazer frente ao crescimento da violência e da criminalidade. No entanto, até hoje, embora conste do Programa Estadual de Direitos Humanos do próprio governo do Estado, a matéria não foi regulamentada pelo Executivo.

Mesma situação vivem ainda outras duas leis estaduais que tive a felicidade de aprovar: Lei 10.429, de 01/12/1999, que institui na rede escolar pública do Estado uma campanha anual de combate à violência contra a criança e o adolescente, que tem por objetivo permitir que os direitos básicos da infância e da juventude sejam disseminados, com prioridade para o combate à exploração sexual e ao trabalho infantil; e a Lei 10.687, de 30 de novembro de 1.999, que cria a Semana da Assistência Farmacêutica, proposta emanada do Conselho Regional de Farmácia do Estado, que deve ser realizada a cada ano no mês de abril também na rede escolar, de modo a discutir com a criança e o adolescente temas como os riscos da auto-medicação, da indústria da propaganda de remédios, da valorização dos profissionais médico e farmacêutico na política de saúde pública, entre outros.

Claro que a postura da Secretária da Educação Rose Neubauer, a "Dama de Ferro" da atual administração estadual, tem muito a ver com o fato de que projetos emanados do Legislativo sejam destinados ao limbo das gavetas burocráticas da Secretaria. Mas não se pode conceber que até mesmo matérias de iniciativa do próprio Executivo padeçam deste triste destino.

Vejamos, por exemplo, o caso da Lei 10.726, de autoria do Executivo, sancionada em 8 de janeiro de 2001. A lei, que mereceu o apoio e o veto da oposição, institui a reparação moral e financeira das vítimas de tortura nos cárceres paulistas durante a ditadura militar, entre os anos de 1964 e 1979. Deveria estar regulamentada desde março, como propôs o próprio governo na sua redação. Mas até hoje, embora uma solenidade de regulamentação tenha inclusive sido marcada para 28 de junho, com a presença anunciada do governador Geraldo Alckmin, não está em vigor por ausência de regulamentação e conseqüente instalação da Comissão Especial que analisará cada caso. O fiasco é a alegação que o governo deu: que ainda não conseguiu estimar os custos do cumprimento da lei. Ora, ou o governador Covas, que encaminhou o projeto, era irresponsável a ponto de produzir um texto sem os competentes estudos de instrução da matéria, ou o governador Alckmin não tem a mesma vontade política de colocá-la em vigor...

De qualquer modo, no parlamentarismo ou no presidencialismo, uma das obrigações constitucionais do Executivo é a de cumprir a lei. E, nesses exemplos que citei, entre tantos outros que poderiam ser lembrados, sequer tem tido a preocupação de regulamentar a lei a ser cumprida. O governador infringe, assim, um de seus deveres mais preciosos. É preciso mudar, governador!

Renato Simões é deputado estadual, vice-líder da bancada do PT e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de São Paulo.

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