OPINIÃO: As porcentagens do PT

*Vaz de Lima
09/03/2004 16:26

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Certamente jamais houve no Brasil um governo no qual o discurso estivesse tão distante da prática quanto a presidência de Lula. E não se trata apenas dos discursos de campanha, os quais não só estão distantes como são opostos à realidade, mas ao próprio discurso do PT depois de chegar ao governo. Feitos para confundir, não para informar, as manifestações do presidente demonstram que ele julga presidir algum outro país ou sabe muito pouco sobre o que de fato ocorre aqui.

Em Caracas Lula apoiou as bravatas antiimperialistas. Em Brasília o presidente fez de conta que enquadrava o FMI. Mas os dados do Brasil real, divulgados pelo jornal Folha de São Paulo na edição do dia 1/3 - são muito diferentes: o governo federal gastou R$ 412,9 bilhões no ano passado, ou 62% de todos os gastos do país liquidados - ou seja, efetivamente utilizados do Orçamento - apenas para amortizar a dívida e assim buscar seu diploma de aluno bem aplicado da escola do FMI.

Já com investimentos Lula gastou a ínfima quantia de O,24%, 258 vezes menos. Fez isto cortando verbas, por exemplo, para obras contra enchentes - que no discurso foram apontadas como prioridade - e programas de formação profissional que poderiam gerar renda e reduzir o desemprego. Também foram sacrificados no altar do sistema financeiro investimentos em saneamento, segurança pública e habitação (apenas 1,82% da verba alocada foi utilizada), outros pontos que o discurso aponta como prioridades, mas que são menosprezados no orçamento real.

Esta inversão de prioridades entre o discurso e a prática explica muito bem outros números obtidos pelo PT, como o aumento do desemprego para 12,3%, a queda da renda média do trabalhador em 12,9% e o decréscimo da atividade econômica. Como os gastos com publicidade não só não sofreram cortes orçamentários como foram suplementados fica comprovada a tese de que ao invés do espetáculo do crescimento o que está ocorrendo é um crescimento do espetáculo.

Dois fatores agravam bastante os efeitos desastrosos da política recessiva implantada pelo PT. O primeiro deles é que foram gastos 258 vezes mais recursos com pagamento de juros do que com investimentos em uma conjuntura internacional muito mais favorável do que em todos os anos anteriores. O governo não teve de lidar com nenhuma crise externa e as crises internas que teve foram apenas as provocadas pelo próprio governo.

Esta última crise interna, gerada pelo escândalo Waldomiro Diniz, revela o ponto seguinte que torna ainda mais frágil e equivocada a política de recessão do PT. Isto porque mostrou o quanto eram artificiais todos os indicadores de credibilidade do "mercado" que vinham sendo brandidos pela equipe econômica - seguidos de forma obediente pelos demais petistas - contra os que ousavam protestar contra a depressão econômica, o arrocho salarial e fiscal e o desemprego.

Mas nenhuma destas porcentagens aparece nos discursos do presidente. Ao contrário, ele insiste que está tudo às mil maravilhas, promete resultados para os anos seguintes - cada vez mais distantes - como se ainda estivesse no palanque e tenta tirar da pauta todos os fatos negativos. Enquanto torna o rico sistema financeiro ainda mais rico gastando com ele mais de 60% do orçamento efetivamente liquidado, promete ajudar os mais pobres, buscando o apoio deles para ampliar ainda mais a pressão fiscal sobre o sistema produtivo e a classe média.

Falta ainda uma outra percentagem para que o retrato do PT no governo fique completo, o 1% a ser faturado com a regularização das loterias eletrônicas que Waldomiro Diniz tentou extorquir de um bicheiro. Para tentar também esconder este número a solução do governo foi criar o caos fechando os bingos de forma sumária, certamente contando que a pressão dos demitidos e de alguns setores da sociedade iria acabar legitimando alguma outra proposta, livrando a cara do governo de prováveis acusações de privilegiar um setor do qual podem ter vindo recursos mais do que suspeitos para as campanhas.

Este escândalo, cada vez mais mal explicado, derruba o último mito que o PT criou com os discursos, aquele que colocava os petistas como seres especiais detentores do monopólio da virtude e da ética. Mais uma vez o discurso é desmascarado por uma porcentagem ingênua.

O governo Lula, em síntese, é isto: uma tentativa desesperada da oratória para esconder a matemática. Vivêssemos apenas das palavras e a estratégia poderia dar certo, mas as exigências de dinheiro para o pão, que a realidade não deixa esquecer, é um obstáculo que o discurso petista mais cedo ou mais tarde terá de enfrentar.

*Vaz de Lima é líder da bancada do PSDB na Assembléia Legislativa e presidente da Comissão Parlamentar de Acompanhamento da Reforma Tributária do legislativo paulista.

alesp