A mulher luta por um mundo melhor para homens e mulheres

Entrevista: Deputada Beth Sahão
04/03/2004 19:38

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DA REDAÇÃO

Militando no PT desde a época em que cursava Psicologia na Universidade Estadual de Londrina, Beth Sahão sempre esteve envolvida em movimentos sociais, entre os quais o de mulheres. Graças à atuação de uma ONG da qual fez parte, Catanduva, sua cidade, ali se instalou uma Delegacia das Mulheres, uma das primeiras do interior do Estado. Em 1997, o PT ganhou a eleição municipal de Catanduva, e Beth assumiu a Secretaria de Governo. "Lá promovemos uma verdadeira revolução não só administrativa, mas de concepção de atuação no poder público. Criamos projetos sociais que são modelos dentro das administrações petistas".

Da organização de cooperativas de trabalhadores nas periferias à redução quase a zero da evasão escolar graças à forma de implantação do bolsa-escola, as ações de Beth ganharam projeção. Eleita, com mais de 60 mil votos, como deputada nas eleições passadas, está exercendo seu primeiro mandato na Assembléia Legislativa. "Foi a primeira vez que disputei uma eleição política-partidária e fiquei muito feliz. Minha eleição tem um significado muito forte na minha região, porque fui a primeira mulher, entre todas as legendas, de toda aquela área do Estado a conquistar um posto como deputada, seja estadual ou federal. Sou também a primeira parlamentar (incluindo homens e mulheres) eleita pelo PT naquela região. Daí minha responsabilidade com as mulheres e com o PT ser muito grande aqui na Assembléia."

Beth Sahão vem de uma família que não poupou esforços e sacrifícios para lhe dar uma boa formação, não só intelectual como de valores éticos e morais, que redundaram na sensibilidade para perceber com clareza as diferenças existentes nas relações de gênero. Mas não é só isso. "Apesar de todos os obstáculos, dificuldades e discriminações ainda existentes, ser mulher me possibilita experimentar momentos da mais profunda satisfação e alegria, sobretudo porque a cada dia novos desafios são vencidos, seja na vida pública ou pessoal.

Este crescer permanente é permeado por um olhar muito próprio, singular, a respeito de nossas vidas. Melhor ainda é poder manter as convicções de um mundo melhor, mas fazendo-o de forma muito particular, isto é, deixando fluir o sentimento que a meu ver a mulher tem de mais empolgante, que é a sua emoção franca e verdadeira."

Diário da Assembléia: Qual sua perspectiva em relação à formação de um grupo de mulheres deputadas? E quanto à Semana da Mulher na Assembléia Legislativa?

Deputada Beth Sahão: Logo que assumi, esta foi a primeira bandeira que abracei. Já nas primeiras semanas aqui, elaborei um projeto de resolução criando a Comissão Permanente de Defesa dos Direitos da Mulher na Casa. A idéia é efetivar mais uma trincheira de luta em favor das causas femininas na sociedade, ao lado das diversas entidades que já trabalham de forma maravilhosa neste sentido. Como o objetivo era mesmo criar um bloco de mulheres, convidei as demais companheiras que assinassem o projeto comigo. Foi,então, nossa primeira ação como "bancada". Criar este grupo, envolvendo todos os partidos, é muito importante porque nos dá força. Somos minoria na Assembléia se olhadas sob a ótica da quantidade de homens e mulheres, mas nos tornamos um dos maiores blocos quando nos unimos em torno de uma causa. A cada projeto, a cada discussão, teremos cada parlamentar trabalhando em favor daquela determinada causa dentro de sua bancada partidária. Isso é muito forte. Fica muito mais fácil aprovarmos e encaminharmos ações de interesse do universo feminino, como políticas públicas na área da saúde, educação, habitação, contra a violência e tantas outras. Considero uma semana inteira dedicada ao debate sobre a mulher outra idéia muito interessante. Costumo ouvir que só o fato de existir um dia da mulher já é prova de discriminação. Não é verdade. Quando estabelecemos estas datas é com o objetivo de chamar a atenção da sociedade, dar uma pausa na correria do dia-a-dia, para debatermos e levantarmos questões importantes. Quando a mulher debate seu universo, não está apenas questionando as injustiças sociais que a acometem, mas as relações de desigualdades como um todo. A mulher luta por um mundo melhor para homens e mulheres. Uma mãe, por exemplo, não quer uma vida melhor apenas para sua filha mulher, mas para todos os seus filhos. Este é o espírito das causas femininas hoje: a luta contras as desigualdades em todos os níveis.

D.A.: Em sua opinião, o que pode ser feito para aumentar a representação feminina nas casas legislativas?

B.S.: Continuar a luta que já está colocada, ou seja, insistindo com as políticas de cotas como forma de alimentar o debate e obrigar os partidos a investir nas lideranças femininas, levando o debate para todas as esferas de poder, promovendo as ações de mulheres que chegaram ao poder, provando que elas são tão capazes de transitar nesta seara tanto quanto os homens. As mulheres ocupam hoje, em torno de 10% dos cargos do Legislativo e 3% dos postos do Executivo. É muito pouco, apesar da nossa capacidade de marcar posição, ou seja, as poucas que furaram o bloqueio têm demonstrado a capacidade enorme da mulher de ser ativa e fazer muitas coisas ao mesmo tempo. É do instinto feminino. Mas a caminhada ainda é grande e precisa ser trilhada com garra dentro dos partido e no convencimento com a sociedade.

D.A.: Qual o grau de avanço que o país vem obtendo nos direitos femininos em relação a outros países? Falta muito a ser feito?

B.S.: Claro que ainda estamos muito longe de países desenvolvidos, de primeiro mundo, onde as reivindicações e conquistas são mais efetivas. Em muitos países de primeiro mundo, discussões como garantia de creches confiáveis para que a mulher possa trabalhar já são coisa do passado, assunto enterrado, questão resolvida e pronto. As punições contra homens que batem em suas parceiras também são efetivas, de forma a coibir esta aberração que é a violência doméstica. No nosso caso, nossa legislação é, no mínimo, omissa. O homem agride, espanca, humilha a mulher e paga uma cesta básica como castigo. Inaceitável. Ou seja, temos muito a caminhar, mas não podemos negar as conquistas obtidas, diga-se de passagem, com muita luta e mobilização. É importante frisar que tudo que as mulheres conseguiram até aqui não foi dado por homens gentis e compreensivos, mas tomado com garra e disposição dos movimentos organizados, das lideranças que foram se destacando e chegando às esferas de poder decisivo.

D.A.: A condição feminina está ligada à condição sócio-econômica? Em que

medida?

B.S.: Temos hoje grandes lideranças nos bairros mais periféricos, onde as condições de vida são mais precárias, dando lição de cidadania e capacidade de articulação. São mulheres maravilhosas que promovem transformações reais ao seu redor. Ou seja, o fato de serem pessoas simples, sem grandes vantagens financeiras, não as impede de ter uma visão questionadora e transformadora da realidade, não as impede de agir. Por outro lado, não podemos negar que uma mulher sem recursos financeiros, com quatro ou cinco filhos para criar, sem um lugar para procurar, acaba, muitas vezes, não tendo como reagir diante de um marido que a agride fisicamente. Ela muitas vezes agüenta calada a dor, a humilhação, os maus-tratos por não ter para onde ir com seus filhos. No caso, uma mulher bem colocada, com uma profissão que lhe garanta o sustento, vai ter mais condições de reagir.

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