Bingos: pirotecnia não combate o crime

OPINIÃO - Romeu Tuma*
27/02/2004 20:03

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A Medida Provisória que proíbe o funcionamento dos bingos e caça-níqueis no país, editada às pressas pelo presidente Lula, na sexta-feira de Carnaval, não passa de uma ação pirotécnica do governo federal para abafar uma crise política. Não podemos perder de vista a ineficácia da proibição às cegas: apenas abafar a crise política, detonada a partir da divulgação de fitas de vídeo exibindo o presidente da Loterj (em 2002), Waldomiro Diniz, homem de confiança do ministro José Dirceu, negociando comissões de contratos com o chefe do jogo e bicheiro de Goiás, Carlos "Cachoeira". Tenho uma história de vida contra o jogo, mas antes de baixar uma proibição por decreto, é preciso saber como tratar dos milhões de brasileiros, já viciados pelo jogo legalizado das loterias e que freqüentam os bingos como uma modalidade a mais que o governo estimulou pela Lei Zico.

No ano passado, quando ingressei nesta Casa de Leis, o primeiro projeto que encaminhei proíbe o funcionamento de caça-níqueis, máquinas de vídeo-bingo e vídeo-pôquer em bares, restaurantes e similares em todo o Estado de São Paulo. A minha experiência de 24 anos como delegado de polícia mostra que essas maquininhas se tornaram porta de entrada para a criminalidade. Expostas em estabelecimentos comerciais e próximas às escolas, as maquininhas - ainda em operação - são atrações fortes para crianças e adolescentes.

Por trás das maquininhas estão redes do crime organizado, muitas com interesses de grupos internacionais, das máfias de países orientais e de países europeus. Conheci as histórias de vida de jovens que deixavam seus poucos trocados nos caça-níqueis e acabaram aliciados por quadrilhas, mantenedoras das máquinas, ou atraídos às drogas e à criminalidade desesperada dos bandidos viciados.

O projeto de lei contra os caça-níqueis passou por todas as comissões internas da Assembléia, mas nunca foi colocado em votação. Ficou claro o poder dos criminosos escondidos atrás da grande operação de caça-níqueis. O Estado de São Paulo já poderia contar com uma legislação que acabasse com o jogo a céu aberto. Mas nada foi feito para dar à polícia e aos órgãos responsáveis a autoridade para acabar com as maquininhas e até fechar os estabelecimentos que insistissem em mantê-las.

Agora, por uma Medida Provisória o governo tenta acabar com o jogo em todo o país, sem levar em conta critérios técnicos ou projetos pré-estabelecidos. O Congresso Nacional discutia como seria a legalização e a fiscalização do jogo limitado a ambientes fechados. A minha luta contra os caça-níqueis em São Paulo sempre foi para bloquear a participação de bicheiros nacionais e seus associados criminosos internacionais em mais um ramo de exploração do público.

No caso das casas de bingo é fundamental impedir - não apenas pela letra da lei - que chefões do crime se estabeleçam em concessões estatais. Uma das propostas é estatizar os bingos, mas não há certeza sobre a eficácia da medida. De qualquer modo, agora é a hora de proibir para sempre os caça-níqueis, vídeo-bingo e vídeo-pôquer em bares, restaurantes e estabelecimentos comerciais. No futuro, esses equipamentos eletrônicos poderiam ser permitidos e fiscalizados em casas de jogo - em recintos fechados, sob rígido controle de entrada.

Muito se pode planejar e fazer no combate ao crime organizado no jogo, à lavagem de dinheiro desses criminosos e no trágico quadro de vício estimulado pelos caça-níqueis. Mas não serão fogos de artifício do governo federal que porão em fuga os criminosos nacionais e internacionais do jogo.



*Romeu Tuma é deputado estadual pelo PPS e presidente da Comissão de Segurança Pública da Assembléia Legislativa de São Paulo

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