Opinião / Terceirização da merenda escolar: uma alternativa viável?


24/03/2009 10:10

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Recentemente, temos assistido a uma série de denúncias envolvendo o fornecimento de merenda escolar por empresas privadas. O Ministério Público apura suposta fraude na concorrência, em virtude de alegado direcionamento para beneficiar certos fornecedores. A Promotoria da Cidadania, braço civil do Parquet paulista na proteção do patrimônio público, recomendou à Prefeitura o encerramento imediato do sistema de terceirização e o fornecimento direto da merenda pela municipalidade.

Independentemente do resultado da investigação versando sobre o último certame licitatório, o que está em discussão é a manutenção ou não da atual forma de gestão. O prefeito Gilberto Kassab, alicerçado por ampla legitimidade popular haurida das urnas, insiste na adoção do modelo em vigor, alegando a impossibilidade econômica de retornar ao antigo regime da autogestão, cuja origem remonta a 1935.

Foi somente em 1999 que surgiu, em Indaiatuba (SP), a gestão terceirizada. Na capital paulista, o primeiro contrato desse tipo foi assinado em caráter emergencial em 6 de dezembro de 2001. Em 2006, o procedimento licitatório foi reformulado, implantando-se a corresponsabilização social das empresas terceirizadas. Era o início do modelo de gestão compartilhada ou de terceirização, o qual entrou em vigor no dia 10 de julho de 2007 e perdura até hoje, com abrangência de 78% das unidades da rede escolar do município de São Paulo.

Dentre as críticas ao atual sistema de gestão, podemos destacar aquela constante do relatório da Fipe, apontando um custo 3,6 vezes maior para a merenda terceirizada. Esse cálculo, no entanto, não serve de parâmetro para a sobredita comparação, pois desconsiderou todos os outros gastos envolvidos na prestação do serviço. Assim, se o poder público quiser voltar ao ancien régime e oferecer diretamente a merenda escolar, precisará incluir no custo da refeição outros gastos que também terá, como, por exemplo: contratação de novos servidores para tais tarefas; transporte, estocagem e armazenamento dos gêneros não perecíveis; planejamento e estudos de logística; treinamentos contínuos; investimentos em equipamentos e utensílios necessários ao serviço; implementação de infra-estrutura etc. O custo maior, no entanto, que não pode deixar de ser incluído no cálculo, é o do desperdício, que hoje é arcado pelas empresas fornecedoras e passaria, com a volta da autogestão, a sê-lo pela própria municipalidade. Em um sistema de terceirização, cabe à fornecedora a obrigação de evitar o prejuízo, pois é ela quem o suporta.

Voltando o serviço para a municipalidade, retornam os velhos problemas enfrentados no mundo inteiro pelos regimes estatizantes: superfaturamentos na compra de gêneros, superdimensionamento de quantidades, contratação de pessoal para fiscalização etc. Por mais eficiente e bem-intencionada que seja a administração, óbices como esses são inerentes ao funcionamento continuado de qualquer sistema operado pelo poder público, mesmo em países ditos do Primeiro Mundo. Se todos esses gastos forem embutidos no valor final da alimentação escolar, certamente não se chegaria à distorção apontada pela Fipe. Estadeia-se, igualmente, que na gestão terceirizada são fornecidos alimentos de qualidade nutricional inferior à da gestão direta.

Constata-se, entretanto, que o PNAE paga, às prefeituras, o montante de R$ 0,22, por aluno. Os governos estaduais, por sua vez, contribuem com R$ 0,19. Ambas as quantias têm de ser, ainda, completadas pelo município. Com os valores repassados atualmente, seria impossível ao sistema público fornecer uma merenda melhor, cujo custo hoje gira em torno de R$ 1 em média por aluno. Dessa forma, já que as prefeituras teriam de complementar os valores para bancar os custos da merenda escolar, muitos prefeitos optam pela gestão terceirizada. Como se vê, a questão demanda um debate profundo, bem como detida reflexão, a fim de que se atenda ao princípio constitucional da eficiência na busca do bem comum.



*Fernando Capez é promotor de Justiça, deputado pelo PSDB e presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Assembléia Legislativa. É mestre em direito pela USP e doutor pela PUC/SP, professor da Escola Superior do Ministério Público e de cursos preparatórios para carreiras jurídicas.

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