Brejo das almas

Opinião
13/04/2005 18:16

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O que se tem visto na Assembléia Legislativa de São Paulo, nas últimas semanas, é coisa medonha. A falta de caráter de uns aliou-se ao oportunismo rasteiro de outros tantos, com um único objetivo: criar o máximo de dificuldades, na tentativa vã de obter vantagens que venham a forrar o bornal da indignidade política. No que depender do governador Geraldo Alckmin e do PSDB, uns e outros ficarão a ver navios, com a sacola vazia nas costas. Não há nenhuma possibilidade de que venhamos nos render a quem não respeita a sua própria palavra nem a regra escrita do jogo, sintetizada no regimento interno do Parlamento.

O atual presidente da Assembléia Legislativa, deputado Rodrigo Garcia (PFL), sempre fez parte da bancada situacionista. Nem poderia ser diferente. Pertence a um partido aliado, ao qual pertence o vice-governador do Estado e o vice-prefeito da capital. Foi na condição de aliado "confiável" que ele se transformou num dos principais articuladores da campanha do candidato do PSDB à Presidência da Casa. Por diversas vezes, Garcia reiterou seu desejo de que a bancada petista, ao contrário do que ocorreu nos últimos dez anos, fosse "alijada" da Mesa Diretora. Tanto rancor, como se sabe, transformou-se em traição. Instigado pelo PT, às vésperas do pleito, ele mudou de lado, vestiu a fantasia de candidato e venceu. E venceu com o apoio daqueles que, até há pouco tempo, dizia execrar! Já não há mais dúvida quanto ao valor de sua palavra. O julgamento político não pode prescindir do julgamento ético.

Quem trai uma vez, sabe-se... Pois bem. Passados quinze dias de sua posse e salamaleques ao governador, sua natureza de escorpião novamente aflorou, embevecida pelo canto da sereia petista. E o que fez dom Garcia? Simplesmente atropelou todas as normas " legais e éticas. Por meio de uma portaria, indicou os membros das 23 comissões permanentes da Assembléia Legislativa, sem levar em conta o critério da proporcionalidade, muito menos ainda a decência que se espera encontrar num homem, exerça ou não um cargo público.

Não bastasse o desrespeito ao regimento interno e aos parlamentares de outras bancadas, o que Garcia & cia. fizeram foi investir na galhofa, como se o Parlamento fosse o picadeiro onde amadureceram suas, vá lá, convicções políticas. O PSDB, embora seja a segunda maior bancada da Assembléia, foi alijado das duas principais comissões: a de Constituição e Justiça e a de Finanças e Orçamento. Contrariando as normas legais, o presidente e seus mais novos companheiros políticos resolveram também, porque tudo lhes parece diversão, ferir o bom-senso. Assim, parlamentares ligados à área de saúde foram nomeados para comissões que tratam de economia ou transporte e vice-versa. Claro que me refiro àqueles que não fazem parte de seu time.

Fizeram mais, Garcia & cia. Possivelmente tocados pelas baforadas dos inúmeros Cohibas que queimam nas salas e ante-salas do Palácio do Planalto, em Brasília, resolveram que, num flagrante desrespeito ao regimento interno, alguns deputados não deveriam participar de nenhuma das 23 comissões permanentes, enquanto outros " inclusive o que assina este texto " teriam o direito de pertencer a seis (isso mesmo, seis) delas. Queriam o quê? Que a minha bancada levasse a sério tal molecagem? Que eu deixasse de ocupar, diariamente, a tribuna para dizer o que, de fato, penso? Afinal, o que eles querem é óbvio: é nada mais nada menos que criar embaraços para o governador, num ano pré-eleitoral.

E que uma coisa fique bem claro: não se está aqui, de maneira alguma, a lamentar a perda desse ou daquele espaço político. A questão é bem outra. Ela ultrapassou as fronteiras da política para desaguar no mangue da falta de compostura e da ilegalidade.

*Milton Flávio é deputado estadual pelo PSDB-SP e professor de Urologia da Faculdade de Medicina da UNESP (Botucatu)

miltonflavio@al.sp.gov.br

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