TORTURA NOS PRESÍDOS E OS DIREITOS HUMANOS - OPINIÃO

Renato Simões
22/12/2000 16:18

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O crescimento acentuado das denúncias de tortura e espancamento de presos, que tem ocupado bastante espaço na imprensa de São Paulo, é um tema que merece muita preocupação de toda a sociedade. A Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa e outras entidades da sociedade civil tomaram conhecimento da existência de uma campanha internacional pela abolição da tortura como método de obtenção de confissões ou de castigo contra detentos. Essa campanha teve como um dos seus pontos altos a visita ao Brasil do relator especial das Nações Unidas para casos de tortura, Nigel Rodley. Ele recebeu um dossiê a respeito dessas práticas hediondas, não só no Estado de São Paulo como em outros estados do Brasil. Tive oportunidade de acompanhar a denúncia, feita pelo Ministério Público, a respeito da Cadeia Pública de Sorocaba, onde presos foram espancados com a participação de policiais. Visitei também a Cadeia Pública de Americana, onde policiais civis e militares foram convocados para uma sessão de espancamento de presos, em decorrência de um conflito entre um preso alcoolizado e um carcereiro.

Os presos daquela cadeia foram então submetidos às mais torpes agressões, com a participação de policiais militares do Pelotão de Operações Especiais da PM de Americana, de carcereiros e investigadores e, pasmem, do próprio delegado diretor da Cadeia, Eder Muniz de Farias, que, em vários depoimentos colhidos na semana passada, foi indicado pelos presos, vítimas dessas agressões, como instigador do processo de espancamento.

Foram utilizados cassetetes, chicotes, garrafas de dois litros cheias de água, barras de ferro, normalmente usadas para bater grades e fios de antena, para que todos os presos pagassem pela falta de disciplina de um deles. Até agora, o inquérito não conseguiu estabelecer como é que o preso que deu início ao conflito teve acesso, no interior da cadeia, à substância que o embriagou, de tal forma que o levou a esse conflito físico com o carcereiro. Mas, qualquer que tenha sido o motivo, não se justifica o que vemos nos autos do inquérito que vem sendo conduzido - diga-se de passagem com grande transparência - pelo delegado Seccional de Americana, Américo Rissato. Lemos, por exemplo, o seguinte depoimento: "Os presos que ali estavam apanharam, a exemplo do declarante, para que gritassem: 'nós somos vermes, somos o lixo da sociedade, merecemos morrer'". Os que tinham tatuagem foram separados dentro do próprio pátio e apanharam mais ainda por causa das tatuagens. A sessão de agressões perdurou por cerca de quatro horas, ou seja, das 14 às 18 horas". Não vou ler aqui as expressões e palavrões que eram proferidos por parte dos policiais para que os presos repetissem. E, caso não repetissem, eram novamente espancados.

Há cerca de dois anos, tivemos um caso semelhante no Depatri. Conseguimos submeter a exame de corpo de delito mais de 100 presos. As pessoas que participaram das agressões foram identificadas pelos presos, e a Corregedoria da Polícia Civil simplesmente sentou em cima dessa sindicância e, até hoje, não temos o relatório dos responsáveis pelas agressões no Depatri.

Temo muito que isso possa acontecer também nesse caso de Americana. A agressão aconteceu no dia 2 de junho, e somente em 14 de julho o delegado diretor da cadeia, implicado nas agressões, comunicou aos seus superiores a existência de presos, inclusive com fratura, depois que familiares dos presos tiraram fotos que foram largamente veiculadas pelo jornal Notícias Populares, pelo Diário Popular e pelos jornais da cidade de Americana. Não podemos admitir que isso aconteça em pleno limiar do Terceiro Milênio.



RENATO SIMÕES, deputado estadual pelo PT, é presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de São Paulo e relator da CPI estadual do Narcotráfico.

alesp