OPINIÃO: O guizo do gato

Vaz de Lima*
17/03/2004 14:19

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Uma das fábulas de La Fontaine diz que os ratos fizeram uma assembléia para acabar de uma vez por todas com as ameaças do gato que os perseguia. Depois de muitas deliberações aprovou-se a proposta de pendurar um guizo no pescoço do gato, assim poderiam ouvi-lo se aproximar e correr a tempo.

Os ratos prometiam que a execução desse projeto traria uma nova era de felicidade para toda a comunidade, um tempo de abundância na qual poderiam comer, descansar e trabalhar com tranqüilidade, sem riscos de serem incomodados. A dificuldade só apareceu quando foi a hora de decidir quem penduraria o guizo no pescoço do rato. Falar era fácil, mas não era possível encontrar ninguém que tivesse a coragem de fazer a ação heróica.

Em uma versão atualizada da fábula, os ratos tentam em primeiro lugar adular o gato para colocar nele o guizo. Primeiro convencem os demais ratos que precisam ser mais comedidos na hora de se alimentar, evitando assim provocar a ira do gato. Depois, como isto não fosse suficiente, pedem que a comunidade lhes entregue uma parte cada vez maior da comida para presenteá-la ao gato.

Por fim, como último recurso, dizem aos colegas que é preciso sacrificar alguns deles para que no futuro todos possam ter abundância. Deixam que o felino se farte devorando os companheiros para que, bem alimentado, torne-se mais fácil convencê-lo a usar o guizo.

Passado algum tempo o gato está mais gordo e forte do que nunca, os ratos estão fracos, mal alimentados, não dormem pensando em quando poderão ser escolhidos como vítimas e sacrificados ao apetite do gato e aos planos dos chefes. A cada vez que surge o assunto do guizo o gato demonstra mau humor e exige mais sacrifícios para fazê-lo recuperar a confiança.

Bem alimentado, o gato elogia as atitudes dos chefes dos ratos e estes se aproveitam para dizer aos demais: "estão vendo como estamos no caminho certo, o gato já está quase convencido a colocar o guizo, tenham apenas um pouquinho mais de paciência, a época dos sacrifícios está acabando, logo teremos fartura!".

Aproveitando-se destes bons momentos, os ratos passam a escolher as vítimas que serão enviadas ao gato. Há diversas ratazanas que, apesar de toda a crise, continuam fortes e bem nutridos, mas estes são muito amigos do gato e, além disto estão fortes demais para serem submetidos, então os chefes os dispensam dos sacrifícios.

Há também os camundongos mais fraquinhos, mas estes têm pouco a oferecer ao gato, que tem gosto muito apurado, então o governo dos ratos decide que eles terão de dar a sua contribuição se alimentando menos ou entrando no programa de engorda. Sobram os ratos medianos, nem grandes demais para causar problemas, nem pequenos demais para satisfazer os apetites do gato, em geral são estes os escolhidos para serem entregues às garras do gato.

Às vezes, os ratos começam a achar que tudo aquilo é demais, que não vale a pena tanta miséria. Mas os ratos que comandam, misteriosamente, sempre mais gordos apesar da crise, são hábeis oradores e sempre acenam com um mundo maravilhoso no qual o gato usa o guizo.

Mas mesmo toda a oratória dos chefes não estava sendo suficiente. Muito esperto que eram os líderes dos roedores, alguns deles próprios passaram a criticar o projeto de colocar o guizo no rato. Diziam que era possível executar o projeto, mas sem tantos sacrifícios, diziam que quem deveria ser sacrificado ao gato eram as gordas ratazanas, recebendo aplausos de todos. Mas como ninguém tinha a coragem para enfrentar as ratazanas, ainda mais que estavam todos fracos, também este discurso caia no vazio.

É isto que o PT fez em seu governo até agora, mantendo a política de juros altos e a alta meta de superávit primário, gerando desemprego, quebradeira de empresas e uma recessão sem precedentes. O PT passou suas mais de duas décadas de existência tentando chegar ao poder, fazendo promessas de resolver todos os problemas, dizendo que todos os males do país derivavam de uma administração ruim que não se preocupava com o povo. Bastaria, assim, elegê-los para que o Brasil se tornasse o país das maravilhas. Esqueceram que alguém tinha de pendurar o guizo no pescoço do rato!

*Vaz de Lima é líder da bancada do PSDB na Assembléia Legislativa e presidente da Comissão Parlamentar de Acompanhamento da Reforma Tributária do Legislativo paulista.

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