Meia boca

Opinião
12/04/2005 18:56

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Lê-se aqui e acolá que a política econômica vai muito bem, obrigado. E que prova disso é o fato de o país não ter precisado renovar o acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). É líquido e certo que o presidente da República, o PT e demais partidos da base governista " PC do B à frente, com sua foice enferrujada e martelo em desuso " vão tentar capitalizar o feito, em termos eleitorais. Isso, no entanto, é o que menos importa. Até porque, a se julgar pelos vôos do "AirLula", tudo continuará como está, na melhor das hipóteses. Sim, porque se depender do ministro da Fazenda, o país perseguirá neste ano e no próximo um superávit primário ainda maior que o atualmente fixado, em 4,25% do PIB. Caso isso se concretize, teremos ainda menos investimentos em infra-estrutura.

Defensores da política econômica atual não se cansam de dizer que sua suposta excelência deriva da combinação de três fatores essenciais: (1) câmbio flutuante, (2) metas rígidas para a inflação e (3) disciplina fiscal. Que o câmbio flutua não resta nenhuma dúvida, tanto é que o dólar barato, na avaliação de especialistas, pode comprometer as exportações em futuro próximo. Quanto às metas de inflação, há quem as considere extremamente rígidas para um país que precisa crescer e gerar empregos e renda. Não quero, porém, enveredar por essa estrada. O que me chama a atenção é a louvação feita à suposta disciplina fiscal do governo. A meu ver, ela é, por assim, uma disciplina meia boca.

Antes que me atirem pedras, deixo claro que não ignoro o fato de o governo ter atingido, em 2004, um superávit primário de 4,6% do PIB, acima, portanto, do índice acordado com o FMI. Para pagar pouco mais de 60% dos encargos da dívida. Ocorre que o superávit tão alardeado teve dois pilares a lhe sustentar: (1) o corte brutal nos investimentos em obras de infra-estrutura e (2) o aumento da carga tributária. Em termos do que poderíamos chamar de austeridade real, aquela cujo bom senso manda cortar gastos supérfluos e gastar melhor o pouco que se tem, nada foi feito. Ao contrário. O que viu e vê, de 2003 para cá, é nada mais que uma gastança desnecessária que beira a irresponsabilidade.

A imprensa acaba de registrar, por exemplo, que em 2004 o governo gastou R$ 1,1 bilhão com o pagamento de passagens, diárias e cartões de créditos corporativos, para bancar o deslocamento de ministros e funcionários graduados. Para que se tenha uma idéia, no ano passado, as despesas com os cartões corporativos " que permitem aos seus usuários saldar contas não previstas ou sacar dinheiro vivo para honrá-las, durante suas viagens oficiais " ultrapassaram a casa dos R$ 13 milhões, contra R$ 9,3 milhões em 2003 e R$ R$ 3,2 milhões em 2002. Apenas nos três primeiros meses deste ano, os gastos com os cartões já superaram os R$ 4 milhões. Pelo visto, o governo Lula vai, novamente, superar seus próprios recordes.

Diante do gigantismo de outros números " do déficit da Previdência Social (R$ 40 bilhões), por exemplo ", há quem possa considerar R$ 1,1 bilhão café pequeno. Não é. Basta lembrar que esse montante equivale a 34 vezes o total de recursos destinados ao Programa Primeiro Emprego (R$ 32 milhões) no ano passado. É de se imaginar, portanto, que o governo Lula resolveu dar prioridade à criação de empregos pela via do "turismo oficial". Afinal, deve pensar, os jovens podem esperar, como não?

E nem falamos do aumento absurdo dos gastos com publicidade, funcionários de confiança e contratação de empresas para a prestação de serviços para o Palácio do Planalto, entre tantos outros! A tudo isso se chama austeridade.

Milton Flávio (PSDB-SP) é deputado estadual e professor de Urologia da Faculdade de Medicina da Unesp (Botucatu)

miltonflavio@al.sp.gov.br

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