Direitos Humanos no Brasil


03/12/2002 22:01

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DA REDAÇÃO

O Centro de Justiça Global e o deputado Renato Simões (PT) lançaram nesta terça-feira, 3/12, o relatório anual sobre os direitos humanos no Brasil - 2002.

No que se refere ao Estado de São Paulo, uma das principais preocupações dos autores do relatório é a maquiagem de dados por parte da Secretaria de Segurança Pública. De acordo com o relatório, mais de 93% dos casos registrados como auto de resistência não passam, de fato, de execuções sumárias. "Assim, a polícia investiga como resistência às autoridades o que deveria ser apurado como homicídio", afirmou a coordenadora da publicação, Sandra Carvalho.

Segundo Sandra, um exemplo do que acontece nesse segmento é o procedimento de uma tenente da Academia de Polícia Militar do Rio de Janeiro, denunciado por um coronel, que ensina aos seus alunos do primeiro ano como forjar um auto de resistência. "O denunciante tem sido vítima de sanção administrativa e o caso está sendo apurado pelo deputado estadual Carlos Mink."

Ouvidorias de polícia

O deputado Renato Simões (PT) disse que as Ouvidorias têm sido um espaço da sociedade civil dentro da polícia, funcionam na transparência de dados e representam um avanço. "Entretanto, é na fase do inquérito que se processa a impunidade de torturadores."

Um entrave relacionado à impunidade é o julgamento de crimes, cometidos por militares, serem julgados somente pela Justiça Militar. "A única exceção refere-se aos homicídios", ressaltou Simões.

O relatório recomendou aos Estados que adotem políticas públicas de segurança e que qualifiquem melhor os integrantes da polícia, inclusive a perícia técnica. "De nada adianta destinar verba para polícias comunitárias e não fornecer orientação sobre direitos humanos aos policiais que as compõem", lembrou Sandra Carvalho.

Simões também comentou sobre o caso do Grupo de Repressão e Acompanhamento de Delitos por Intolerância, afirmando que "sua continuidade é um capítulo de violação do governo de São Paulo aos direitos humanos".

Ele destacou que o Tribunal de Justiça afastou os juízes envolvidos no caso, mas o secretário de Segurança Pública, Saulo de Castro, permanece no cargo. "Saulo é uma ameaça à Segurança Pública que mantém o 'aparelho' Gradi a título de investir em inteligência policial." Simões afirmou que os presos são retirados ilegalmente, por determinação policial, para participar de ações de captura que culminam em execuções dos indivíduos perseguidos. "No último ano foram mais de 32 homicídios com participação do Gradi."

Justiça Global

James Cavallaro, representante da Justiça Global, lembrou que o objetivo do trabalho é divulgar a violação aos direitos humanos no mundo. "Quanto ao Brasil, o país já foi denunciado à Corte Interamerica da ONU, por causa da chacina ocorrida no Presídio Urso Branco, em Rondônia", disse Cavallaro, lembrando que a tragédia só foi superada pela execução dos 111 presos do Carandiru.

Já o Estado de São Paulo teve 5 mil casos de tortura. Os casos mais freqüentes ocorrem em unidades da Febem. No prédio da Raposo Tavares, 20 jovens sofreram torturas de funcionários que, apesar de denunciados, não foram afastados das atividades. A unidade de Parelheiros também foi alvo de denúncia sobre prática de tortura, tráfico de drogas e formação de quadrilha envolvendo funcionários.

Sem credibilidade

O relatório também traz estudo sobre jurisprudência. Diversos juízes têm despachado contra a vítima de tortura, sob a alegação de que preso em fuga não possui credibilidade de testemunho. "Dessa forma, a violação aos direitos humanos é alimentada pela sensação da impunidade", declarou Andressa Caldas, coordenadora do relatório.

A coordenadora também abordou o tema violência no campo, um dos capítulos do relatório. Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra, o número de mortos no campo diminuiu, porém cresceram as ameaças e coerções contra trabalhadores rurais. Andressa citou o problema existente na Paraíba, Estado com maior índice de violência contra camponeses. "Oito líderes rurais foram detidos e torturados sem mandato de prisão. A questão foi abordada por uma CPI estadual mas a polícia estadual é conivente no caso e a imprensa não dá a devida divulgação", afirmou Andressa, ressaltando que a Polícia Federal foi solicitada a intervir e não se manifestou.

Pastoral Carcerária

O padre Gunter, da Pastoral Carcerária de São Paulo, lembrou que a maioria dos casos não são denunciados como tortura. "É comum se utilizar o termo lesão corporal para que os juízes levem a condenação adiante", disse o padre, apontando um crime que envolvia três policiais militares e outros três civis. "Só os civis foram julgados, porque caíram na instância comum.

A Pastoral apurou que policiais têm sido incentivados a transformar presos saudáveis em paraplégicos, os quais ficam relegados a condições de saúde que podem levar ao óbito.

"Todos os países que assinaram a Declaração Universal de Direitos Humanos continuam a ter práticas da Inquisição", concluiu Gunter.

Crime organizado

As violações impetradas pelo crime organizado no Espírito Santo também fazem parte do relatório. De acordo com Andressa Caldas, os três poderes daquele Estado são coniventes com o crime organizado. "Se faz urgente a intervenção federal. Temos relatos sobre execução de testemunhas contra o crime organizado. Exemplo disso é o preso que foi transferido de forma ilegal e dias depois foi assassinado por outros presos, em Careacica", apontou a relatora.

Depoimentos

Vítimas e familiares participaram da reunião e deram seus depoimentos sobre torturas sofridas.

O Casarão, como é conhecido um bar freqüentado por jovens de Agenor de Campos, município de Mongaguá, tem sido palco de prática de torturas contra menores.

O local também recebe policiais militares que abordam os adolescentes e o caso mais grave envolveu os garotos Anderson e Celso. No último dia 27/9, eles foram algemados, após uma ligação feita no celular pelos policiais. Levados ao banheiro feminino do bar, foram espancados e depois conduzidos à viatura pelos pms Sílvio Batista e Maurício Miranda.

Os corpos foram encontrados, no dia 5/10, enterrados em covas rasas no Matagal do Mambu, em Itanhaém.

Os policiais estão no Presídio Romão Gomes, na Capital, mas as famílias das vítimas que residem em Mongaguá estão sofrendo ameaças de morte.

A mãe do jovem Vagner Santos, assassinado no Parque Jabaquara, Capital, aguarda a finalização do processo contra o sargento Sílvio Rodrigues Vieira, autor do disparo de uma metralhadora 12 que atingiu o menino. Segundo testemunhas, o garoto jogava bola numa quadra da região com outros rapazes, alguns moradores de uma favela próxima. A polícia chegou e disparou contra um deles, os demais fugiram. Vagner caiu no chão e Sílvio atirou nele.

O ex-detento M.S., primário e condenado por assalto à mão armada, procurou o diretor do Complexo Carandiru no dia 5/7/2000 para solicitar atendimento oftalmológico, uma vez que estava com problemas de visão no olho direito. "Ele não me atendeu e me mandou 'cair fora'. Tropecei num portãozinho na entrada da sala e, acusado de tê-lo chutado, fui levado à carceragem, onde recebi golpes de canos e chutes." Muito mal e cheio de hematomas, M.S. foi deixado no isolamento (Pavilhão 5). Só foi atendido oito dias depois, após ser retirado por um carcereiro no dia destinado a visitas. Hoje passa por tratamento de fisioterapia para recuperar os movimentos em um dos braços.

Todos os casos foram ouvidos pela relatoria dos Direitos Humanos no Brasil - 2002.

alesp