Opinião - Videoconferência e federalismo


25/11/2008 18:59

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A recente decisão do Supremo Tribunal Federal, declarando inconstitucional a lei estadual paulista que permitia a utilização de videoconferência no interrogatório e audiência de presos a distância, causa forte impacto não apenas por seus efeitos imediatos no funcionamento da Justiça, mas também por representar retrocesso no federalismo brasileiro.

Quando aprovada pela Assembléia Legislativa de São Paulo, a lei 11.819, de 5 de janeiro de 2005, buscou incorporar ao sistema judiciário importante avanço tecnológico capaz de, simultaneamente, tornar mais célere o trâmite processual e reduzir custos.

Basta citar alguns números para se constatar o sucesso dessa inovação, inspirada em modelos adotados em países desenvolvidos, como Estados Unidos e Itália. Somente no ano passado, as escoltas de presos, da cadeia até o fórum, exigiram 109 mil deslocamentos de policiais civis e militares, com o custo estimado de R$ 5,8 milhões. São percursos freqüentemente demorados em que se criam condições favoráveis a tentativas de fuga de prisioneiros perigosos. Imagine-se quanto se ganhou em tempo, dinheiro, segurança e eficiência com as quase 1.500 videoconferências realizadas em 2007 (sem contar outros tantos episódios em que o réu se manifesta por carta precatória, também sem contato direto com o juiz do caso, numa prática porém aceita pela jurisprudência).

Na sessão de 30 de outubro, ao declarar inconstitucional a lei 11.819/05, o STF julgou pedido de liminar em ação de habeas-corpus impetrada em favor de um condenado por roubo, que havia sido interrogado por meio de videoconferência.

O STF acolheu, não por unanimidade, a tese da Defensoria Pública Paulista, de que somente a legislação federal poderia tratar questão dessa natureza, anulou o processo e determinou a soltura do condenado.

Voto vencido, a relatora, ministra Ellen Gracie, ex-presidente do STF, alinhou no entanto sólida argumentação em favor da constitucionalidade da lei 11.819/05. Entendeu ela que são preservados todos os direitos e garantias fundamentais, inclusive da ampla defesa e devido processo legal.

No centro da polêmica, dois artigos da Constituição Federal e sua interpretação.

O artigo 22 trata da competência privativa, e relaciona os temas sobre os quais apenas a União pode legislar " entre eles, Direito Processual.

O artigo 24, por sua vez, fala da competência concorrente, quando a União fixa diretrizes, reservando-se aos Estados a prerrogativa para estabelecer normas detalhadas. Um de seus itens refere-se a procedimentos em matéria processual.

Segundo a ministra Ellen Gracie, o Estado de São Paulo não legislou sobre processo, mas sobre procedimento.

A maioria decidiu de forma contrária.

O federalismo saiu abalado desse julgamento, depois de importante vitória em junho, quando o mesmo STF julgou a constitucionalidade de outra lei paulista (12.684/07). Numa situação bastante parecida com a da videoconferência, em que se opunham a competência privativa e a competência concorrente, o STF ficou com a segunda opção e considerou constitucional a legislação que proíbe o uso de produtos com amianto no Estado de São Paulo.

No caso da videoconferência, prevaleceu a visão de um federalismo simétrico, que não leva na devida conta as peculiaridades regionais.

Sentimos a necessidade de um federalismo assimétrico, que valorize a atuação do Estado-membro dentro de sua competência constitucional, mas com a perspectiva de maior autonomia ao ente subnacional. Impõe-se uma abordagem mais aberta, proporcionando aos Estados-membros outros parâmetros para opções diversas sobre um mesmo problema, tendo em vista a heterogeneidade do nosso país.

Nesse sentido, desenvolve-se uma ação conjunta das Assembléias Legislativas, por meio do Colegiado que reúne seus presidentes. A iniciativa, inédita, visa apresentar ao Congresso Nacional uma proposta de emenda à Constituição Federal com o objetivo de estender aos Estados competências legislativas hoje restritas à União.

O Brasil é muito amplo, diversificado e plural, com realidades distintas e que, muitas vezes, requerem soluções distintas,

Não resta dúvida de que a lei 11.819/05 trata de procedimento em matéria processual e de que, nesse campo, a realidade paulista é distinta em relação a outros Estados (com 23 por cento da população do País, São Paulo tem 45 por cento da população carcerária).

Daí impor-se a autonomia do Estado para tratar dessa questão, certamente trazendo mais celeridade à Justiça e economia para os cofres públicos.



*O deputado Vaz de Lima (PSDB) é presidente da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo.

alesp