Dois países, duas medidas

Opinião
19/07/2005 15:32

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Impressionante a imediata reação causada pela operação da Polícia Federal na Daslu. O senador Jorge Bornhausen (PFL-SC) chegou a prever uma "crise econômica no país". Disse que se tratava de um "atentado ao mercado", que poderia ter "reflexos internos e até mesmo nos investimentos internacionais". Em Brasília, informa a imprensa, houve um clima de comoção com a detenção da empresária Eliana Tranchesi para prestar depoimento. Colunistas dos grandes jornais não conseguiram esconder sua indignação, ainda que com subterfúgios e disfarces, pelo fato de uma empresária rica, dona da loja mais luxuosa da América Latina, ter que prestar depoimento à polícia. Alguns chegaram até a enxergar uma "conspiração" contra os ricos do país " os mesmos que há poucos dias qualificavam como paranóia as opiniões daqueles que enxergavam uma "operação de desestabilização do governo".

Diante do exagerado alvoroço causado pela notícia, não seria exagero nenhum perceber uma moral que impera há 500 anos no Brasil e que separa o país dos ricos, de um lado, e o país dos pobres, do outro. Investigar um rico empresário por crime de sonegação fiscal, por exemplo, parece uma ofensa. Apenas o fato de detê-lo por alguns horas para prestar depoimento é uma violência. Quer dizer: os negócios privados estão acima de qualquer suspeita e qualquer investigação sobre supostos crimes podem desestabilizar a economia do país, afastar investidores internacionais e elevar o chamado risco-Brasil. A lógica é a mesma desde o Brasil-colônia até o Brasil do século 21.

Há cerca de dois meses foi desencadeada uma grande operação da Polícia Federal para investigar a ação de sacoleiros no Paraguai. Nesse caso, não houve reação indignada da imprensa, ninguém fez pronunciamentos no Congresso contra o governo, não houve tanto carnaval. Em casos assim, a reação é completamente diferente. Como se estivesse já prestabelecido que, em casos de pessoas anônimas e despossuídas, a Justiça deve ser rigorosa.

A operação na Daslu tem semelhanças com a da Shincariol, também deflagrada recentemente pela Polícia Federal. Nesses dois casos, deve-se pensar que o Estado de São Paulo seria o principal interessado pois, se comprovadas as suspeitas, haveria sonegação de ICMS. Portanto, quem está sendo lesado é o Estado de São Paulo, o bolso do cidadão paulista. A investigação deveria ser iniciativa do próprio governo estadual. No entanto, nessas situações, o governador se omite. É preciso lembrar, inclusive, que no caso da Shincariol, chegaram a ser presos fiscais da Receita Estadual, suspeitos de estarem envolvidos com empresários corruptos.

A operação da Polícia Federal na Daslu não se trata, evidentemente, de nenhum rancor ou ressentimento contra os ricos, como também se comentou nas páginas de jornais. Trata-se, sim, de fazer valer a mesma justiça para todos.

É difícil não perceber no noticiário, e na imediata reação de colunistas, um indisfarçável tom tendencioso. Nesse caso, a "teoria da conspiração" parece fazer sentido na cabeça de alguns. Para os mais lúcidos, talvez demonstre apenas os indícios de um país que quer ser diferente, quer mudar, e estabelecer critérios iguais para todos. Um país, inclusive, que quer eliminar esse fosso abissal, injusto e, este sim, desestabilizador, entre ricos e pobres. Para que possamos superar definitivamente as palavras do compositor popular Gilberto Gil: "Oh, mundo tão desigual/ tudo é tão desigual/ De um lado esse carnaval/ De outro a fome total".

Mais informações no site : www.vicentecandido.org.br

alesp