Fome ou subnutrição?

OPINIÃO - Rafael Silva*
03/12/2002 18:30

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A partir da divulgação dos resultados do segundo turno das eleições 2002, quando se instalou o grupo de trabalho da transição do governo federal e o presidente eleito manifestou, publicamente, para o país inteiro a intenção de resolver o problema da fome, o tema tornou-se destaque nos órgãos de comunicação.

Editorialistas e articulistas da grande imprensa, apresentadores de TV, políticos, geógrafos, economistas, líderes sindicais, professores e empresários, entre outros, têm utilizado os espaços de que dispõem para discorrer sobre o assunto, cujos pontos de vista nem sempre são convergentes. Nem poderiam ser, uma vez que partem de segmentos sociais, econômicos e profissionais diferenciados.

Ao acompanhar o noticiário e avaliar os comentários tiramos algumas conclusões que entendemos importantes.

Em primeiro lugar, não concordamos com a atitude daqueles que, despreparados ou mal intencionados, duvidam dos dados ou tentam minimizar o efeito provocado pelo escandaloso fato de existir considerável número de brasileiros que passam fome. Talvez eles pensam esconder a vergonhosa ferida valendo-se de argumentos que diferenciam as palavras fome e subnutrição. Uns tentam provar à opinião pública que no Brasil existem pessoas subnutridas, mas não famintas. Outros chegam ao absurdo de utilizar expedientes burocráticos para estabelecer minuciosa classificação social dos que, relegados pelo sistema político e econômico à miséria, farão jus ao enquadramento no Programa Fome Zero, tido como prioridade do futuro governo.

Com essa posição, não queremos falar que a saída para o problema da fome não merece ser concebida sob critérios, normas e princípios que norteiam o uso de dinheiro público, os quais devem assegurar que o recurso não só chegue integral e rapidamente ao seu destinatário, mas também isento de politicagem, corrupção ou clientelismo.

Em segundo, esconder a fome que, por diversos motivos e em níveis diferenciados, há muito provoca vítimas desde crianças a idosos, a nosso ver é uma conduta irresponsável, antidemocrática e, portanto, sem respaldo ético. Os indivíduos que assim fazem quem sabe estejam buscando alívio para a crise de consciência provocada pela falha ou descuido com uma questão, até hoje não resolvida, que se constitui num dos direitos fundamentais do ser humano: o de comer para viver. Ou, então, fingem não conhecer estudos sociológicos que mostram a precária condição de alimentação de boa parte dos favelados, moradores de rua, em especial crianças e adolescentes que têm na refeição oferecida na escola a única oportunidade de se alimentar. Sem contar aqueles que, ignorando a possibilidade de contrair doenças, tentam sobreviver da catação de sobras nos lixões e aterros de resíduo e lixo. Aliás, esta prática subumana, apesar de solução simples, ainda é tolerada em quase todas as cidades brasileiras. Do contrário, seríamos forçados a admitir que para viver é preciso também provar a necessidade de comer.

Em terceiro e último, será que não querem a divulgação do fato de nosso país conviver com extraordinário contingente de pessoas passando fome, em quase todos os cantos, apesar de ser dotado de geografia espetacular, abundante em recursos naturais, enfileirado entre as maiores economias do planeta? Ou não convém responsabilizar lideranças e governantes que, direta ou indiretamente, favoreceram especuladores, latifundiários rurais e urbanos, assim como sócios e dirigentes das gigantescas corporações nacionais e multinacionais que se enriqueceram com o sofrimento e a fome de milhares de brasileiros?

É hora de decisão. Mudanças efetivas são construídas quando a verdade deixa de ser componente de retórica e passa a inspirar estadistas na busca de soluções e resultados definitivos.

Rafalel Silva é deputado estadual pelo PSB

alesp