Fome de justiça

OPINIÃO - Edson Aparecido*
13/11/2003 16:03

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Anunciado com estardalhaço antes mesmo de ter verbas, o Bolsa-Família é um grande retrato da política social do governo federal. Divulga-se que o programa atinge 4.396 cidades, destacando a ampla abrangência do Bolsa-Família, mas esconde-se que em mais de 1.100 destas cidades o número de beneficiados é inferior a dez pessoas, em 360 destes municípios há apenas um beneficiado.

A única conclusão possível em relação a estes dados é que mais de um quarto das cidades está lá apenas para inflar os números. Novamente as diretrizes foram dadas, portanto, mais pelo marketing do que por estudos sérios.

É a mesma tônica da publicidade em torno do Fome Zero e de outros programas sociais, que visa a propaganda do governo federal em vez de servir como fonte real de informação para as pessoas que precisam do benefício. A culpa de casos como o do estelionatário que cobrava para fazer falsos cadastros para o Fome Zero é também do governo que não fornece as informações necessárias.

O valor gasto até agora com o Bolsa-Família é quase irrisório se comparado com tantos outros gastos supérfluos do governo. Um governo que gasta mais com viagens do que com programas sociais certamente não pode dizer que está preocupado com a justiça social.

Gasta-se muito mais com a publicidade oficial. Só a verba prevista na licitação para a conta da Petrobrás é superior a todo o gasto do Bolsa Família. Gastou-se o equivalente a 5% de toda a verba com este programa social só com a compra de dez carros que transportarão a família de Lula e sua segurança.

No Palácio da Alvorada construiu-se um aviário ao custo de R$ 23 mil; no do Planalto construiu-se um Ginásio esportivo ao custo de R$ 65,5 mil; na Granja do Torto foi erguida uma churrasqueira com custo de quase R$ 100 mil. Gastou-se, segundo os dados da licitação, R$ 152 mil com roupões de banho de algodão egípcio, outros R$ 20 mil foram utilizados para comprar um novo faqueiro, e quase R$ 40 mil destinado à compra de equipamentos de mergulho. No orçamento para 2004, marcado por tantos cortes e investimentos em programas sociais, o gabinete da presidência é pródigo consigo mesmo e terá um aumento de verbas superior a 70%.

Na oposição, Lula criticava quase diariamente a política social do governo e jurava ser possível aumentar em mais de R$ 1 bilhão as verbas sociais. No poder, confunde promoção social com promover-se socialmente e diminui as verbas para estes programas. O mais curioso nesta metamorfose, talvez, seja o papel do PT neste processo todo.

Fosse outro o presidente, os petistas iriam às ruas, pediriam impeachment, chamariam greves gerais, fariam panfletos e passeatas, como fizeram tantas vezes por motivos fúteis. Agora, pelo contrário, tecem elogios ao governo, defendem o partido das críticas, fecham os olhos a tudo, dizem que é preconceito achar que Lula não pode tomar vinho francês em taças de cristal bacarat com seu roupão de banho de algodão egípcio - por conta do contribuinte -, só porque o presidente foi metalúrgico.

Isto revela que toda a indignação que se tornou proverbial no PT era falsa. Os petistas gritavam não contra o que achavam injusto, mas apenas porque não estavam no poder. Não havia princípio ou ideal nos protestos petistas, apenas cobiça de poder. Para os petistas a ética deve se submeter aos seus objetivos políticos, condenando como anti-ético o que faz quem está em cargos que o partido quer ocupar.

Esta é uma demonstração do que a política não pode ser feita: de ambições mesquinhas, manipulação, falta de preocupação social, deslumbramento com o poder e, sobretudo, critérios éticos flexíveis, segundo as conveniências. Sem princípios e valores permanentes a política deixa de ser uma das mais nobres ações humanas para transformar-se apenas em luta pelo poder.

*Edson Aparecido é deputado estadual, presidente do Diretório Municipal do PSDB de São Paulo.

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