Sem medo do poder

Entrevista: Maria Lúcia Amary
12/04/2004 14:16

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Maria Lúcia Amary engajou-se definitivamente na política a partir de 1992, quando seu marido, Renato Amary, concorreu pela primeira vez à Prefeitura de Sorocaba. No mesmo ano, filiou-se ao PSDB. Depois de ser a primeira mulher de Sorocaba a presidir um partido,em 1995, em 2001 passou a integrar a direção nacional do PSDB. Foi também a primeira mulher da cidade a concorrer à Assembléia Legislativa (1998) e, em 2002, foi eleita deputada estadual.

Em 2003, entrou para a executiva estadual do PSDB após ser eleita para a presidência do Secretariado Estadual de Mulheres Tucanas de São Paulo. Em seguida, chegou à vice-presidência do Secretariado Estadual.

No primeiro ano de mandato como deputada, apresentou 10 projetos de lei, 43 indicações, 3 requerimentos, 60 emendas ao Plano Plurianual e 72 emendas ao orçamento do Estado. Das emendas ao orçamento, 15 foram aprovadas. Integra ainda cinco comissões permanentes da Casa e uma temporária de acompanhamento da regionalização do Porto de Santos.

No final do ano assumiu a presidência interina da Comissão de Assuntos Municipais, da qual já havia sido eleita para a vice-presidência em abril.

Cidadã sorocabana, conselheira de honra do Conselho Estadual da Condição Feminina, Maria Lúcia comandou o Fundo Social de Solidariedade de Sorocaba por duas gestões.Participa, ainda, do Comitê de Mortalidade Materna e Infantil de Sorocaba e ajudou a criar na cidade o Juizado Especial de Pequenas Causas, do qual é conciliadora licenciada atualmente.

Em 1997, liderou em Sorocaba a campanha "Mulheres Sem Medo do Poder", que estimulou as candidaturas femininas dentro do PSDB no Estado. Mais tarde, tomou parte ainda em movimentos como "Lugar de Mulher é na Política" e "Mulheres no Poder", também na defesa da participação feminina.

Durante as nossas duas gestões à frente do Fundo Social de Solidariedade,. o projeto que mais chamou a atenção foi o de desfavelamento, que retirou 1.085 famílias de Sorocaba de áreas subumanas e de risco e as levou para um assentamento na zona norte da cidade. As famílias foram instaladas em terrenos de 5 x 25 metros, que estão sendo pagos no longo prazo. O projeto contou ainda com uma escola municipal de 16 salas de aula (a maior da cidade), uma unidade do Médico de Família, que leva a assistência médica à casa dos pacientes; e um Centro Comunitário, no qual os moradores recebem aulas de cidadania. Por meio do programa Médico de Família, as crianças passaram a ser acompanhadas quanto à sua nutrição e ao seu desenvolvimento. Em uma ação de cidadania, os moradores fizeram RGs, títulos de eleitor e carteiras profissionais. Este é o único projeto dessa natureza feito só com recursos municipais em todo o Estado de São Paulo até hoje.

Para Maria Lúcia, a mulher conquistou um espaço enorme desde o início do século passado, mas ainda falta muita coisa. "O fundamental agora é que as mulheres ampliem a sua participação na política para poderem chegar aos centros de poder. Nosso papel de coadjuvante nas eleições já está exaurido. A representatividade da mulher na política tem de subir dos 10% atuais para 50% no mínimo, já que é esse o percentual que temos do eleitorado brasileiro. Isto já vem ocorrendo em outros segmentos. No mercado de trabalho, por exemplo, a mulher já responde por 44% da população economicamente ativa. Mais que isto: um terço das famílias brasileiras são comandadas por mulheres.

Nós também já ocupamos uma significativa parcela das cadeiras universitárias, desenvolvemos atividades que até bem pouco tempo estavam restritas aos homens e estamos na vanguarda de muitos projetos. É necessário uma representatividade política maior para que tudo isto seja mais palpável", afirma Amary. Leia a seguir íntegra da entrevista que concedeu ao Diário da Assembléia:

Diário da Assembléia: Qual sua perspectiva em relação à formação de um grupo de mulheres deputadas? E quanto à Semana da Mulher na Assembléia Legislativa?

Deputada Maria Lúcia Amary: A nossa perspectiva é a melhor possível porque as mulheres têm sempre de oferecer um trabalho de maior qualidade que os homens. Não porque sejamos melhores que eles, mas pelo fato de termos uma cobrança maior. Como somos apenas dez deputadas em um universo de 94, não podemos nos dar ao luxo de errar. Não é só o nosso trabalho que está sendo visado. Também a nossa conduta, a nossa postura, a nossa apresentação.

A possibilidade de um grupo de mulheres na Assembléia vir a dar certo está provada pelos resultados que obtivemos na primeira empreitada conjunta a que nos dedicamos, que foi visitar o governador e propor idéias. As deputadas utilizaram o encontro para levar uma série de reivindicações em defesa da mulher e para aproveitar a semana de comemoração do Dia Internacional da Mulher, a fim de cobrar uma atenção maior do governador.

A principal reivindicação foi que o governador autorize as delegacias da mulher de todo o Estado a funcionarem também nos finais de semana. A nossa intenção não foi a de que as delegacias tenham plantão policial, mas que façam o atendimento normal, porque o tipo de serviço que prestam é diferenciado das delegacias comuns. As mulheres precisam delas. Em relação à necessidade de ampliação da jornada de trabalho das profissionais que atuam nessas unidades, afirmamos que o Estado poderia contratar mais pessoal, gerando emprego e renda para mais mulheres. São Paulo possui atualmente 125 delegacias especializadas da mulher, das quais nove estão na capital, 12 na grande São Paulo e 104 no interior.

Além dessa reivindicação, as deputadas solicitaram que o governo do Estado implante oficialmente o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher, que foi criado pelo Ministério da Saúde em 1983 e até agora não funciona efetivamente. O programa de saúde da mulher prevê a realização de campanhas de prevenção e combate ao câncer de mama, ao câncer do colo de útero e à osteoporose, bem como orientação sobre métodos contraceptivos, realização de consultas ginecológicas periódicas e atendimento pré-natal, mais atendimentos específicos voltados para a saúde da mulher em geral.

Ainda na área de saúde, as deputadas pediram ao governador que seja ampliado o programa de combate à gravidez na adolescência, que é desenvolvido pela médica Albertina Duarte em unidades da rede pública. As deputadas defenderam também que seja criado o Ano Estadual da Mulher e que seja concedida uma cota das casas construídas pelo governo do Estado às mulheres chefes de família que lutam com dificuldades. Todo esse trabalho precisa ser mantido daqui para frente.

D.A: Em sua opinião, o que pode ser feito para aumentar a representação feminina nas casas legislativas?

M.L.A.: Precisamos ter mais participação feminina nos partidos e nas atividades políticas. As mulheres se acostumaram a fazer parte das campanhas, mas como coadjuvantes. Só que nós temos condições de sermos as atrizes principais. Está na hora de cada mulher que tem liderança no seu segmento ou que esteja disposta a tomar a direção dos processos de desenvolvimento econômico, social e político saiam do anonimato para agir.

Para conseguir tudo isso, investirei como presidente do Secretariado Estadual de Mulheres Tucanas de São Paulo na formação política dessas mulheres, e isto vai se dar a partir da criação de núcleos do partido. Queremos instalar um núcleo feminino do PSDB em cada município. Depois, esse núcleo será transformado em secretariado municipal. Esses foros servirão para a discussão sobre política e para o engajamento das mulheres.

Vamos mostrar a força que as mulheres têm não só na mobilização, mas na ação prática. Temos condições disso. Falta apenas uma preparação política que faremos a partir de agora nesses núcleos e nos secretariados.

D.A.: Qual o grau de avanço que o país vem obtendo nos direitos femininos em relação a outros países? Falta muito a ser feito?

M.L.A.: Na nossa opinião, os maiores avanços que conseguimos até agora são a conscientização política, que tem aumentado. Há também uma disponibilidade, uma receptividade e um reconhecimento maior do nosso trabalho. Quando falo do nosso trabalho, digo do trabalho da mulher. É inegável que as mulheres experimentaram um crescimento na vida pública brasileira incomparável no último século, sobretudo nas últimas eleições e aqui no Brasil. Crescimento numérico e quantitativo. Ou seja: houve mais mulheres eleitas e houve, fundamentalmente, uma pluralidade de voto. O eleitor votou em candidatas de todos os partidos. Desta forma, não se pode afirmar que há o monopólio da opinião feminina em uma só direção.

Com a luta do movimento feminista, houve um avanço significativo em relação à participação da mulher também no mercado de trabalho nos últimos anos, seja na indústria, no comércio ou na prestação de serviços. Já há mulheres que ocupam postos de direção em diversas empresas nacionais e multinacionais, locais até então exclusivos de homens, embora ainda com salários mais baixos.

A mulher mostra no trabalho uma qualidade singular. Ela é capaz de juntar a razão com a emoção para tratar de assuntos profissionais. Esta fórmula, desconhecida pela maioria dos homens, tem-se mostrado imprescindível no mundo globalizado atual. Reportagens recentes mostram claramente o crescimento da mulher no mercado de trabalho. As mulheres chegam a ser promovidas três vezes mais rápido que os homens. O grau de instrução também é maior entre elas. Além disso, um estudo da Fundação de Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade) demonstrou que as mulheres alcançam 52% de representatividade em todos os níveis de escolaridade no país atualmente.

Como prova de que a participação das mulheres no mercado de trabalho cresce a cada ano, um dado chega a surpreender: dos 10,1 milhões de postos de trabalho abertos no país entre 1989 e 1999, quase 7 milhões foram ocupados por mulheres. Isto quer dizer que sete em cada dez novas vagas no mercado foram preenchidas por profissionais femininas, o que mostra a competência e o talento da mulher, avançando na ocupação da força produtiva nacional. Não temos dados mais recentes, mas a tendência continua.

Afirmar as semelhanças entre homens e mulheres não significa negar suas diferenças. As mulheres são diferentes entre si em função da classe social, cor, etnia, nível educacional, idéias e posições políticas, aliás tal como os homens. Mas são semelhantes também, tal como eles. O problema é que a identidade feminina tem sido marcada pela vivência da exclusão do poder. Isto ocorre porque as relações de gênero refletem uma construção social do masculino ainda atrelada à idéia de domínio e do feminino à de subalternidade. Vivemos em uma sociedade onde homens e mulheres ocupam posições diferentes no acesso ao poder e em seu exercício, o que certamente diferencia seus valores e visões de mundo. Mas esta é uma realidade em mutação.

Seria equivocado não reconhecer as transformações que vêm contribuindo para mudanças relevantes na relação entre mulher e poder público. Por exemplo, pela primeira vez na nossa história temos uma mulher no Supremo Tribunal Federal e, apesar de pequena, é significativa a atuação de lideranças femininas no Congresso Nacional, de onde, aliás, saiu até uma candidata a vice-presidente em 2002, que, infelizmente, não se elegeu.

Há um reconhecimento grande também em relação ao direito da mulher reagir contra a violência. Neste ano, estamos comemorando 17 anos de implantação das delegacias especializadas na defesa dos direitos da mulher. Hoje são 125 unidades no Estado. A idéia pioneira de São Paulo já ganhou a América do Sul e vai crescer mais.

O governador Geraldo Alckmin está criando o Ano Estadual da Mulher e o presidente Lula também fez isto em nível nacional. Estas são duas provas de que a mulher alcançou um status mais sério de importância no cenário político e no cenário econômico, cultural e social do país. Falta muito a fazer, sem dúvida, mas nós vamos fazer.

D.A: A condição feminina está ligada à condição sócio-econômica? Em que medida?

M.L.A.: Não dá para dissociar a condição sócio-econômica da representatividade que a mulher tem alcançado, mas é importante frisar que ela não é uma determinante para o sucesso. Um bom exemplo disso é que Antonieta de Barros, personagem ímpar da história brasileira, foi a primeira mulher negra a se tornar deputada estadual em Santa Catarina. Getúlio Vargas concedeu por decreto o direito de voto às mulheres em 1932 e esse direito foi legitimado na Constituição de 1934, mas nem todas as mulheres tiveram acesso a ele imediatamente: só as alfabetizadas conseguiram.

Mesmo com sua condição, Antonieta de Barros quebrou todos os tipos de estereótipos ligados à etnia, classe social e gênero. Depois dela, só outras 4 mulheres estiveram na Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina como deputadas, mas nenhuma mais foi negra. Historicamente, o difícil acesso feminino aos foros de decisões políticas, quer em âmbito municipal, estadual ou federal, reforçou o mito de que política é coisa para homem, porque eram eles os provedores da casa. Mas isto já está mudando porque hoje a mulher ocupa 44% do mercado de trabalho e ganha o seu próprio sustento. Então a condição sócio-econômica já não é tão significativa.

Esperamos que o tempo possa transformar essa situação de inversão de valores, posto que as mulheres são maioria da população e não comandam o país. Vamos trabalhar ativamente para que isto ocorra. Depois de um século de luta pelo reconhecimento, não queremos ter mais um século para provar a necessidade da igualdade. Não temos tanto tempo assim.

alesp