Encontra-se em fase final de tramitação no Congresso Nacional o Projeto de Lei (PL) n.º 4.147/2001, de autoria do Executivo, que pretende regulamentar o saneamento básico no país. A previsão é que o PL seja votado ainda neste mês. A recente renovação do acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê a continuidade da política de privatizações, incluindo o saneamento básico como a bola da vez. Para viabilizar a entrega do setor, o governo decidiu adotar três medidas. A primeira, já cumprida, foi sufocar as empresas públicas, negando o acesso às verbas oficiais para os serviços públicos estaduais e municipais de saneamento, por meio de contingenciamento dos recursos. Com isso, empresas como a Sabesp são obrigadas a buscar empréstimos em dólar, com alto risco e pesados encargos financeiros. A segunda medida foi a criação da Agência Nacional das Águas (ANA). A terceira e última barreira é retirar dos municípios o poder concedente sobre os serviços, coisa que o PL 4.147 pretende. Estudo realizado pelo BNDES e outros bancos, intitulado modelagem de desestatização do setor de saneamento básico, deixa evidente a lógica do processo: "a privatização exige a minimização, sobretudo, dos riscos regulatórios", como também "discussões sobre a titularidade do poder concedente". /N+/Substitutivo que não substitui./N-/ A mobilização nacional pela não aprovação do PL 4.147 obrigou o governo a retirar a urgência na tramitação e adiar a votação na Câmara, por mais de uma vez. A complexidade de interesses envolvidos é outro fator que protela o desfecho e permite ter esperanças na derrota do projeto. Na tentativa de diminuir as contradições entre os setores envolvidos, o relator, deputado Adolfo Marinho, apresentou um substitutivo que mantém a titularidade dos municípios, mas introduz algo tão nefasto quanto retirar a titularidade deles. Ele acaba com a verticalização do sistema de saneamento, ao propor a separação entre captação, tratamento e distribuição de água e esgoto, exatamente como foi feito com o setor elétrico. Com isso, poderia ser transferida para a iniciativa privada apenas a distribuição de água, mais rentável, e que praticamente não exige investimentos. Ficariam com o Estado a captação e o tratamento de água e coleta e tratamento de esgoto, serviços que exigem alto investimento. Esta é a principal armadilha do projeto de Adolfo Marinho, o que obriga a não aceitá-lo em substituição ao PL 4.147/2001.A rejeição a esses projetos, a convocação de uma conferência nacional para discutir amplamente a política nacional de saneamento com todos os envolvidos no processo, e o fim do contingenciamento, com a liberação de recursos financeiros do Orçamento da União, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para financiamento aos prestadores públicos de saneamento básico, são condições fundamentais para viabilizar a universalização do acesso aos serviços de saneamento.Retirar o saneamento básico do Programa Nacional de Desestatização (PND), mantendo-o como responsabilidade do Estado, é outro aspecto importante, comprovado pelos impactos negativos do PND sobre a economia e a soberania do país. Até agora, as conseqüências mais desastrosas se verificam no setor energético, mas a privatização do saneamento pode significar um desastre ainda maior, visto que este setor tem grande interface com saúde pública e qualidade de vida da população.As experiências mostram que, onde ocorreu a privatização do saneamento, houve aumento de preços, deterioração da qualidade do serviço, falta de atendimento, demissões, corrupção, lucros prévios e privilegiados nos contratos públicos.Em vez de contribuir para a universalização, a privatização distancia a água do consumidor, tornando-a menos acessível e mais cara.*Nivaldo Santana é deputado estadual pelo PCdoB e membro da Comissão de Serviços e Obras Públicas da Assembléia Legislativa de São Paulo