O GATO E A VACA LOUCA - II - OPINIÃO

Willians Rafael*
15/02/2001 17:58

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"É um faroeste canadense. Primeiro eles enforcam. Só depois é que eles julgam" (Celso Amorin, embaixador brasileiro, à Organização Mundial do Comércio)

Na semana passada escrevi o primeiro O Gato e a Vaca Louca, expressando a incompreensão e a indignação da maioria dos brasileiros com a atitude arbitrária, retaliadora e nada diplomática do Canadá, que suspendera a importação de carne bovina brasileira alegando suspeita de ocorrência do "mal da vaca louca". A inspiração para o artigo anterior houvera sido uma frase do escritor Mark Twain: "Uma das mais notáveis diferenças entre um gato e uma mentira é que o gato tem apenas sete vidas", em que demonstrávamos como a evolução dos fatos iria desarmar a "mentira" canadense, que é o que se está vendo agora. Sabe-se agora que, na verdade, os canadenses nem desconfiavam e nem tinham suspeitas concretas sobre a incidência da doença no Brasil, mas apenas se escondiam em supostas confusões burocráticas. Os brasileiros não teriam respondido em tempo um questionário sanitário dos canadenses para acuar a diplomacia brasileira no caso da concorrência aeronáutica mundial. A brasileira Embraer disputa esse mercado com a canadense Bombardier, principalmente uma cobiçada encomenda de 150 aeronaves para a americana Air Wisconsin. Nos jornais do dia 13, já se podia ler na nota oficial da Câmara de Comércio Brasil-Canadá, que existe "surpresa e desconforto" pelo declaração de embargo, pelos canadenses, da carne bovina brasileira. A cientista canadense Margaret Haydon reconhece que a precipitada proibição de importações "foi um ato político e não de saúde pública". Foi chamada a se explicar e afirmou que precisará recorrer à Justiça para defender seu direito de informar corretamente à população de seu país questões de saúde pública. Algumas perguntas que restam ao final deste inacreditável incidente diplomático: os canadenses estão realmente interessados no mercado brasileiro e latino-americano, a se julgar pela leviandade com a qual se comportaram agora? Estão de fato preocupados com o inevitável comprometimento do futuro da Alca, a aliança comercial que deverá vigorar a partir de 2005, unindo os mercados canadense, americano e mexicano aos demais integrantes de todas as Américas, levando-se em conta de que não faltaram importantes vozes brasileiras? Pratini de Moraes, Ministro da Agricultura do Brasil, principalmente, vaticinando a morte prematura da aliança? Com exceção de seu vizinho rico, os Estados Unidos, em que outro país do mundo empresas canadenses atuam com tanta desenvoltura e agressividade como no Brasil e com tanto apoio de um governo nacional como desfrutam corporações multinacionais como a Brascan (bancos e, ironia, agropecuária) Alcoa (alumínio) e a Bell South (telefonia)? Mas a principal pergunta, sem resposta aparente, é: quem vai indenizar o Brasil por seu prejuízo e lucros cessantes, sem nem mesmo apontar preocupação apenas com a balança comercial mantida com o Canadá, mas principalmente o estrago de imagem dos produtos brasileiros, principalmente a carne bovina, junto a mercados muito mais significativos, pelo volume de negócios, como o americano e o europeu? E os prejuízos da indústria calçadista brasileira, que já vê a redução de encomendas canadenses?

São questões que agora prescindirão de arbitragem internacional, com seus inevitáveis desgastes e que vão engordar nosso contencioso comercial com o Canadá, reabrindo as feridas abertas pelo caso Embraer-Bombardier. Menos mal que a vigilância da soberania brasileira acabou despertada por este infausto episódio e o país soube, afinal, dar o tiro certo neste verdadeiro faroeste definido por Celso Amorin, para que o rebanho bovino brasileiro, e por extensão nossa política comercial internacional, não fossem enforcados antes do julgamento.

Willians Rafael, vereador em Osasco por dois mandatos, é advogado e deputado estadual pelo PL.

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