Biomassa da cana - um potencial a ser aproveitado

OPINIÃO - Arnaldo Jardim*
07/04/2004 19:12

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Um dos alicerces do crescimento da atividade industrial no País está sedimentado na garantia de fornecimento de energia elétrica. O setor produtivo ainda se recente do susto causado pela possibilidade real de um "apagão", em 2001. Relembro este fato para ilustrar a necessidade imediata de um planejamento energético para o Brasil, calcado na diversificação da matriz, tendo como premissa manter uma característica genuinamente brasileira: o uso de fontes de energia renováveis e ecologicamente corretas. Sob esse aspecto, o governo federal tomou um passo importante, ao regulamentar o Programa de Incentivo as Fontes Alternativas de Energia Elétrica - Proinfa.

O Proinfa pretende atrair investidores em energia hidráulica, eólica e de biomassa. O governo, via Eletrobras, deve comprar cerca de 3.300 MW, divididos de forma equânime entre estes três modelos de geração, com garantia de compra por um preço mínimo, estabelecido pelo Ministério de Minas e Energia (MME). A medida é uma iniciativa importante, que visa aumentar a capacidade instalada do setor elétrico brasileiro. Só que da teoria para prática, a regulamentação do Proinfa deixa muito a desejar. Um bom exemplo é o da biomassa da cana, seguramente o maior potencial gerador dentro do Proinfa, que acabou em segundo plano.

Enquanto as Pequenas Centrais Elétricas (PCHs) receberão R$ 117,02 por mwh; a energia eólica, entre R$ 180,18 a R$ 204,35 o mwh; a biomassa do biogás de aterro sanitário, R$ 169,08 por mwh; a da madeira, R$ 101,35 mwh, para o bagaço da cana restou a menor remuneração: R$ 93,77 por mwh.

Diante dos entraves para conseguir financiamento por parte dos órgãos governamentais, como o BNDES, muitos empresários do setor sucroalcooleiro decidiram investir por conta própria na ampliação de excedente de energia para vender para rede pública. Mas essa remuneração serviu como um balde de água fria no empreendedorismo. Atualmente, são comercializados no Estado de São Paulo cerca de 500 MW, provenientes da biomassa da cana. Pode parecer pouco, mas é muito significativo.

Nada contra as outras fontes de energia contempladas pelo Proinfa, até porque acho salutar a diversificação, mas o potencial da biomassa da cana não pode se situar no papel de coadjuvante, quando apresenta condições de se tornar o protagonista, por suas características únicas.

Todas as 320 unidades industriais sucroalcooleiras do País - destas 120 estão no Estado de São Paulo -, são auto-suficientes em energia. Elas utilizam a queima do próprio bagaço da cana como fonte energética durante o processo de fabricação de álcool e do açúcar. Caso haja investimentos na substituição de maquinário - para otimizar a produção de energia excedente - e na infra-estrutura - para garantir a exportação de energia para rede pública -, o setor poderia ofertar para rede pública 8 mil MW - só São Paulo poderia responder, no curto prazo, por 2 mil MW. Para se ter uma dimensão deste potencial, basta lembrar que o País possui uma potência instalada de 80 mil MW.

Essa energia, mesmo não sendo gerada ao longo de todo o ano, não pode ser tratada como "alternativa", mas "complementar", pois está disponível durante todo o período de safra, que dura cerca de seis meses. Na região Centro-Sul, o andamento da safra corresponde, justamente, ao "período seco" da oferta de energia proveniente da hidreletricidade. Ou seja, no período em que o País apresenta sua maior vulnerabilidade energética.

Outro aspecto que o governo precisa equacionar é a demora na concessão das licenças ambientais para viabilizar os projetos de co-geração, o que pode comprometer a participação deste setor na 1ª chamada pública, marcada para o dia 30 de abril. Em suma, demorou-se muito para regulamentar o Proinfa, e quando isso ocorreu, os agentes são obrigados a correr contra o tempo para conseguirem participar do programa.

Como coordenador da Frente Parlamentar pela Energia Limpa e Renovável da Assembléia Legislativa de São Paulo, tenho defendido sistematicamente a importância estratégica da biomassa da cana na matriz energética brasileira. Isso pode significar a criação de mais um produto derivado da cana para o setor sucroalcooleiro - conhecido pela sua capacidade de geração de empregos e renda no campo -, e resultar no incremento de políticas de incentivo provenientes dos protocolos ambientais, como o de Kyoto, por conta da realização de projetos de crédito de carbono que visam a diminuição do aquecimento global.

No entanto, precisamos lembrar que ninguém planta cana para gerar bagaço, mas para produzir açúcar e álcool. Sendo assim, a retomada da demanda interna pelo álcool é fundamental, principalmente do hidratado - utilizado pelos veículos a álcool e pelos chamados flexíveis. Além disso, se faz necessária a abertura de novos mercados para o álcool e o açúcar, o que pode significar longas batalhas no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) para a derrubada, ou mesmo redução, das barreiras tarifárias impostas pelos países desenvolvidos.

A oportunidade está criada. Agora, cabe ao governo o papel de criar mecanismos que garantam a participação desta energia ecologicamente correta, economicamente viável e de fácil acesso. Não podemos perder a chance de demonstrar ao mundo, mais uma vez, o pioneirismo do Brasil em relação à formulação de políticas públicas que privilegiem a participação de fontes renováveis na matriz energética.



*Arnaldo Jardim é deputado estadual pelo PPS e coordenador da Frente Parlamentar pela Energia Limpa e Renovável da Assembléia Legislativa de São Paulo.

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